terça-feira, 18 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo X


CAPÍTULO DÉCIMO
Será de grande benefício a disciplina de manter os afetos crianças; pois quando crescem e se estabelecem suas forças, o espírito não conseguirá oprimi-los e talvez, algumas vezes, antes nos extinguirão que serão extintos. Barcelona, cidade nobilíssima da Espanha, é um exemplo disso. Nesta cidade um Leão domesticado seguia, com mansidão, o seu dono. Um jovenzinho da feira não se deu conta ao encontrá-lo e bateu nele, como que por desprezo, uma só vez, nas nádegas. Ele então se recordou de si mesmo, tendo sido chamado à atenção de si pela afronta recebida e pela índole soberba de sua natureza, revoltou-se subitamente contra quem nele bateu, apressando-se para vingar com um rugido horrível; com voz solicita, o Mestre o segurou, ordenando-lhe que parasse. Porém, sua bile se havia acendido tanto, e fez tanta força para deter o ímpeto, que tendo sido impedido de se manifestar plenamente, caiu ali mesmo de morte repentina e desanimada. É disso que são capazes os afetos sufocados, e tanto mais quanto mais ferozes forem, e não menos se forem abandonados. Isto aconteceu semelhantemente em Valladolid, onde uma pessoa, querendo matar uma outra que lhe havia ultrajado injustamente, tirou a espada de sua bainha e já estava para atacar, quando muitos acorreram a fim de impedir o atentado, retendo-o para que ele não afundasse a lâmina no outro; mas, não podendo desafogar o seu ímpeto, aquele homem expirou ali mesmo. Segundo o juízo de todos os Médicos, se a sua fúria não tivesse sido impedida, teria vivido. À vista do polvo, a lagosta morre de medo. Somente entre os Animais os afetos têm tanto poder, nos quais o pouco vale muito: se não matarem, se atormentam. O Tirano da Babilônia ao perguntar a Apolônio [não encontramos referências seguras acerca deste personagem; ndt] qual o suplício deveria ser aplicado para punir um Eunuco que havia sido encontrado se divertindo com uma de suas concubinas ouviu a seguinte resposta: Que outra maior pena do que o deixar vivo? E acrescentou ao Rei que se maravilhava com uma resposta como aquela: Se ele viver, sofrera, por causa do amor, todo tipo de suplício. Caim [primogênito de Adão e Eva, irmão de Abel; sua história é narrada no capítulo 4 do livro de Gênesis; ndt], cuja inveja foi a primeira parteira da morte, digno de suplício mais grave do que o dano que causara, foi deixado em vida, condenado a um tremendo temor. A morte é a punição mais amarga para uma paixão: talvez ganhe renome quem a tolere.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 383-385.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo IX


CAPÍTULO NONO
Esta diligência proposta exige, além de uma poda constante dos afetos que brotam como fruto da Fortuna, uma capina cuidadosa: Blandior ad falcem messor perducit aristas, / si rastris segetem pectere continuet [em latim no original italiano, citando um texto de Magno Félix Enódio (474-521) que pode ser traduzido assim: Elogia a foice do ceifeiro que leva as espigas, se ele continua com seu rastelo cultivando o campo; ndt]. A natureza, na infância e na puberdade, cultiva suas plantas e dobras as que quer. Enódio diz com doçura: Exprimit in spicas tellus iam facta papillas / Lacte maritatis turgida cespitibus. / Stringitur in prolem sparsus per gramina succus, / De guttis faciens progeniem solidam. / Vestitus gemmis, praetendit brachia palmes / De gremio ligni pampinus ecce viret. / Iussa per augmentum nunc sylvam prodere vitis, / Frugibus ut crescat vulnera conciliat. / Evocat, inquirit gaudens infantia Mundi / Nutricem tepidi quam dedit aura poli. / Ludit per faciem camporum rustica pubes, / Respiciens duri dulce laboris onus [trata-se da sequência do mesmo poema de onde foi extraída o verso citado anteriormente; ndt]. Tende medo do naufrágio da razão quando já forem adultos [os afetos desordenados, as paixões; ndt]; inchados e orgulhosos os afetos sopram mais forte e tu não serás capaz de detê-los ou a ti mesmo; da mesma maneira que nem mesmo o Marinheiro experiente consegue segurar os sopros impetuosos do irritado vento do norte, nem tampouco tirar o navio com segurança da procela. Há, porém, esta diferença: lisonjeiro e suave comandante não pode amarrar os ventos mais impetuosos, que doravante não podem mais se exasperar; o mar calmo e amansado não pode segurar os ventos desenfreados para que não afundem o navio, não pode segurar dentro de suas barreiras o tufão, não pode mitigar as ondas da raiva que se batem até mesmo contra as rochas. A nós é permitido, no Céu sereno e tranquilo, manter distanciadas as nuvens prenhes de tempestade; na mesma tranquilidade, nos é permitido dissipar a procela, zombar dos turbilhões, escapar dos fulgores, não temer os dilúvios ameaçadores das nuvens de chuva, as concupiscências – eu digo –, monstros da natureza [no original latino, Nieremberg, antes de falar das cobiças (cupiditates), elenca uma série de monstros da natureza, com os quais pretende comparar os afetos desordenados, as concupiscências; ndt]. Tu reputarias como muito feliz a arte do Marinheiro que conseguisse segurar, com suas próprias forças, os ventos e, com seu arbítrio, as ondas. Tu navegarias calmo e com segurança, se o Piloto fosse Éolo [trata-se do deus dos ventos; ndt] ou Netuno [o deus dos mares; ndt], guiando o barco da forma como tu quisesses. Mas, são piores os ventos do coração. Se oprimirdes, logo que nascerem, os primeiros ventos, se dissipardes a primeira fumaça da concupiscência, tu serás, para ti mesmo, Éolo dos afetos: serás capaz de acalmar as ondas tumultuosas da tua Fortuna e de ser imune a qualquer naufrágio. Se a paixão for submergida, a razão não o será.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 382-383.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo VIII


CAPÍTULO OITAVO
O benefício desta instituição e deste estabelecimento do principal afeto vai além da simples instrução do coração, mas serve também para a sua alegria; mais poderosa é a força do espírito quando concentrada no amor, ou na inveja e no ódio que surgem da expressão da alegria e da tristeza consequentes, do que a que nasce de uma violência extrínseca ao tormento; entram com maior veemência, penetram; estão, inclusive, nos corpos e na família, e mais íntimos do que os afetos dos afetos; por isso, atormentam com mais eficácia o espírito, e o tornam mais atento a eles; insinuando-se, ou seja, inserindo-se mais internamente do que conseguem os órgãos externos responsáveis pela alegria ou pela tristeza. Uma grande dor não diminui nada mesmo se colocada entre todos os instrumentos da volúpia, entre as lascívias das mais luxuosas ceias, entre os espetáculos mais deleitosos dos Anfiteatros. O espírito só está seguro e contente entre as rodas e as correntes, se for sustentado por uma força interior que seja capaz de resistir a todo encontro com calamidades mais atrozes. Cada afeto deve estar fundado sobre coisas boas e felizes, de maneira que não precise de nada de fora como alimento. Traga toda a provisão de alegria não mais de longe, mas de si mesmo.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 381-382.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo VII


CAPÍTULO SÉTIMO
Mas, serão ordenados todos os afetos apenas na medida em que tu regulares aquele que a todos regula, e que torna o ímpeto dos outros justo, ou seja, o amor, que, em primeiro lugar, deve-se advertir que seja colocado sobre uma base digna de seus auspícios, imune a todos os choques da impetuosa e imóvel Fortuna. Esta base é Deus e a virtude. Uma vez, porém, escolhida a matéria para colocar como fundamento para o amor, é preciso que aí se estabeleça com constância, para que também firmemente fiquem os outros afetos. É muito importante eleger o Amor ou o Caso: já que, estando aquele defendido e seguro das agitações da Fortuna, os outros ficaram à salvo, como se fossem anexos, a saber, da sua imunidade. Se alguns se dobram, devem já ter sido reformados pela sua regra de caridade. Adivinha-se, com isso, o uso que eles fazem do amor, e como cada um deles é regulado pela norma do amor. Por acaso, Deus é eleito pelo teu amor e virtude? Tu te serves dos afetos convenientes para esta eleição? Será que estás fora de juízo? Alguém te ofende com injúrias: o que não mais prevalecia, que mais querias, que menos deverias ter sido? Examina a que afeto tu deves aderir que seja mais conforme à intenção, qual convenha mais ao amor: o triste, ou o corajoso e alegre? Quem sabe a ira? Talvez a tristeza? Erras, se não erraste amando. Se amas a Deus, o bem está seguro: aquilo que amas não será arrancado por ninguém, não será levado por ninguém. Com esta dor, que mal evitas? E contra qual queres impor o desdenho? Ou tu não amas a virtude, ou deves afastar de ti a tristeza: estes afetos, certamente, não conveem ao amor. Considera atentamente e busca um afeto que seja conveniente, e que se adeque ao teu amor. Eu acredito que será o contrário daqueles que foram acenados antes. Para quem ama a Deus, as injúrias não são palavras de opróbrio, mas de doutrina: são treinos para a vida, são preceitos de virtude. O homem mau e o teu rival são, para ti, Mestres de probidade: não acontece que se considere a pessoa que declara os ensinamentos, mas quais são as admoestações. Se suportardes aquelas com paciência de homem, elas te levarão a Deus. Se tu as sofrerdes, elas te erguerão. Tu já gozas da mesma virtude que amaste. A paciência é virtude: e não há paciência sem padecimento. Por isso, o bem que amaste está presente, e a sua presença quer que toda dor seja banida, e quer ser arrastado pela alegria. Por isso, tu te deves alegrar quanto ao teu amor. A injúria exige do amante da virtude este afeto feliz, não os outros afetos que deixam o homem triste e infeliz, da mesma maneira que o avaro não encontra sofrimento quando acha um tesouro. Sofres algo de doloroso e de grave quanto ao cargo que exerces? Anima-te: pensa no afeto de que seja oportuno se valer, naquela contingência, para o teu amor, recolhe este afeto e valha-te dele. Quem sabe o temor? Engana-te. Não há ameaça alguma da Fortuna que te colocará em risco de perder a Deus; não há violência que seja capaz de arrancar de ti a virtude, se tu não quiseres. Talvez a esperança? Quem sabe a virtude já esteja te admitindo em meio à sua família, já tens a marca dos bons, já te matriculaste como aluno dos melhores. A virtude sem a paciência é órfã, fraca, ou melhor, é nada, é como se fosse o catálogo dos honestos escrito com muito trabalho. Entre os amantes não haverá nenhum verdadeiramente feliz se estiver distante do objeto amado, se o objeto amado, com alguma entrega de si mesmo, não o favorecer, ou se não lhe chegar com graciosidade e semblante grato, ou o fascine com alguma esperança de si mesmo. O sofrer com a virtude e pela virtude é uma espécie de promessa do amor divino, uma espécie de favor e de inclinação do Céu, uma espécie de sorriso divino: vamos, deixa a tua confiança crescer, pois tudo há de ficar bem. Teu rival tirou tuas faculdades? Foram roubadas pelo ladrão? Nem mesmo isto solicita o indigno afeto do ódio; pois nenhum deles te roubou Deus; Ele continua sendo teu e em todos os lugares. Nada te é retirado, mas estás oprimido pelos encargos. Muito te restou, se a virtude não te foi levada embora. É assim. Tu encontraste aquele único bem que não é desejado pelos assaltantes, não invejado, não enfraquecido. Tu gozas por ter amado um bem livre dos males, a quem nem mesmo os malvados conseguem ofender, a quem os invejosos são benignos, todos perdoam. Da mesma maneira, sirvamo-nos de afetos que são consequências do amor, pois eles servem ao seu Senhor, de modo que o nosso coração se endireitará com resultado dos votos, para que não haja nada de áspero e desigual.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 378-381.

Primeira escolha moral - Capítulo VI


CAPÍTULO SEXTO
O amor é Monarca, da mesma forma, destes afetos e, em última instância, é Chefe supremo: ele traz todos atrás de si e os estimula. A primeira engrenagem do relógio, à qual está ligado o peso, move todas as demais. A última esfera do Mundo gira as inferiores, como nos ensina a Filosofia vulgar. O imã, depois que toca um determinado lado da agulha, a faz girar. Da mesma forma os afetos se viram para um lado ou para outro na medida em que são manuseados e regulados pelo amor. Acontece também que sejam contrários os movimentos do ódio, da ira, da tristeza e do temor, pois estes afetos se relacionam ao mal; e o objeto do amor é o bem, de forma que, mesmo esta contrariedade, também é originada pelo amor. Ninguém odiará alguma coisa a não ser porque ame outra coisa. Duas engrenagens do relógio giram em direções opostas: enquanto uma gira, a outra roda no sentido oposto. Diz-se, da mesma forma, que as Estrelas giram em direção contrária das Esferas, ainda que sejam guiadas por um mesmo orbe. Este é, portanto, um empreendimento da vontade: se aparelha de tantos instrumentos, se arma com tantos princípios de alegria, e tem uma abundante oficina de paz, para que não peque por falta de ação ou para que não seja infrutífero o trabalho da tranquilidade. Porém, é necessário que todos os instrumentos sejam conectados e ordenados, para que aquilo que seja destinado para o alívio não seja causa de tormento. Os relógios estragados são inúteis.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 377-378.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo V


CAPÍTULO QUINTO
Estes afetos são regulados com o oráculo que o amor oferece e que quase são uma ordem de sua voz, visto que inclinam ao bem diretamente e a nenhum outro permite que administre em seu lugar: ele estima tanto o bem que não permite que nenhum outro cuide dele. Há também alguns movimentos oblíquos, como são aqueles que dizem respeito ao mal como rival daquele bem que o Amor publicou, que, ainda que obedeçam ao mesmo amor, e sejam obrigados por suas leis (o mal não empreende guerra alguma ou foge de quem não tenha o bem em causa), estando ao seu lado, não o ajudam, mas o substituem pelo ódio como comandante, para que os modere imediatamente. Ele se afasta para bem longe do mal, a quem não se digna favorecer com sua presença. Exercendo o cargo de Procônsul, o ódio combate contra aquele e toma conhecimento. O ódio, vice-rei do amor, empreendendo uma funesta guerra contra os males, guia sob suas bandeiras os afetos lúgubres, incita aqueles que são atos que deveriam ser combatidos, para que conservem o bem seguro para o Rei amor, seja com a fuga, seja com a luta. Contra este soldado enérgico, é que a ira se dirige, num corpo a corpo decisivo: quam strage multa bellicosus spiritus portenta cordis servientis vicerit [em latim no original italiano; e pode ser traduzido assim: antes que o espírito corajoso tenha derrotado com massacre imenso os monstros do coração escravizado. Trata-se do trecho de um poema de Aurélio Clemente Prudêncio chamado Psychomachia, ou Batalha das Almas, que descreve a luta da fé, apoiada pelas virtudes cardeais, contra a idolatria e seus vícios; ndt]. A audácia prepara os mantimentos e tudo o que é necessário para as guerras futuras. Entre aqueles que preveem sem o conflito estar presente, é a tristeza que se coloca contra o mal próximo, e contra o mal remoto é o temor que se apresenta.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 376-377.

Primeira escolha moral - Capítulo IV


CAPÍTULO QUARTO
O Amor guia a todos eles como um Maestro, da mesma forma que Apolo preside as Musas [Apolo é tido pela mitologia greco-romana como uma das divindades mais importantes, assumindo uma série de papéis, entre eles o de líder do coro das Musas. É Homero, no seu Hino a Apolo, que o mostra, no Olimpo, tocando a lira para presidir o coro; ndt]; é do Amor que todos os outros afetos dependem, na medida em que devem servir à alma, proporcionando-lhe os cuidados de que precisa. Porém, com a injustiça, a ordem ajustada é perturbada, a união é desfeita, e a Monarquia se muda em tumulto, e a República em povo. O Amor, Reis dos afetos, comanda a partir do trono do Coração: todos os outros obedecem prontamente, servem e agem a partir de cada aceno seu. Ele rege todos os outros: se o amor está faltando, ele rege as promessas; se ele está em perigo, vem a dor; se ele estiver presente, vêm as alegrias. Ele decreta as leis e promulga que se deve seguir o bem: os outros se preparam para as obras, a fim de exercerem as funções de seu próprio encargo. A cobiça se prepara a fim de buscar o bem, difundindo e levando a vontade para longe e para o futuro. A esperança é enviada a se esforçar no sentido de sustentar, para benefício próprio, a demora da expedição. A alegria é aquela que, por seu próprio privilégio, dispõem de festivos espetáculos para aplaudir a chegada do bem, recebendo-o com festas alegres, solenemente, dando-lhe alojamento quando o recebemos.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 375-376.

Primeira escolha moral - Capítulo III


CAPÍTULO TERCEIRO
Basta ter enumerado estes, pois todos os demais se regulam pelas normas destes: corrigidos estes, os demais serão emendados. Erradamente, porém, alguns Estoicos colocam entre os afetos também a serenidade da alma e a tranquilidade do coração, a mansidão e a segurança. Não são afetos, mas efeitos dos mais modestos e comuns afetos. Além do mais, os afetos universalmente têm seu nome derivado do ímpeto. O Oceano é perturbado por diversas ondas. Ora uma brisa agradável o encrespa suavemente; ora um sopro mais veemente o agita; ora uma tempestade cruel agita as ondas, o açoita com o Austral enfurecido; privando o Timoneiro da arte, do Navio e dos marinheiros; e aqui e ali, ferindo a madeira, finalmente, ou o afunda nos turbilhões, ou o empurra para que se parta ao meio nos rochedos. A alma muda, semelhantemente, de três maneiras: ou com amenidade, ou com maior rigor, ou com extrema violência. Aqueles movimentos que se acalmam, e se parecem com nascentes, são chamados afetos; na medida em que crescem, e ficam fortes, passam a se chamar paixões; quando atacam com impetuosidade e perturbam a razão, são chamados perturbações. Há outros afetos mais domésticos, e que podemos dizer que obtiveram uma espécie de jus de cidadania na vontade, que são conhecidos por sua frequência, familiaridade, proximidade e treino, que acabaram conquistando o nome de costume. Todos estão unidos e juntos: uns derivam dos outros, se sucedem alternadamente ao nascerem, são mutuamente pais e filhos de si mesmos, às vezes, chegam mesmo a ser também ao mesmo tempo destruidores de si mesmos, uns oprimem os outros. Uma onda, às vezes, é rompida por outra onda que vem; outras vezes, ela fica maior; da mesma forma é um afeto, que pode ser enfraquecido por outro afeto que vem, como é o caso da alegria que é diminuída pela dor, ou pode ser enfurecido, como é o caso das promessas de amor, ou como é o caso do desejo que se enfurece por meio do amor. Eles são os adornos da paz, a família da vontade, o principado do coração.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 374-375.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo II


CAPÍTULO SEGUNDO
Antes de ensinar com que arte se deve regular cada um dos afetos, deve-se considerar a índole universal do coração, e refletir atentamente sobre a estrutura dos principais afetos, e tirar do prumo, por assim dizer, o artifício; em seguida, recolocaremos cada um no seu lugar. Enumerarei aqueles com distinção mais clara do que aquilo que foi feito pelos Estoicos, e de forma mais completa do que fizeram os Peripatéticos. Aristóteles se recordou de todos aqueles que bastam para os Políticos, eu falarei daqueles que são necessários ao Cristão. Não pode reparar um relógio defeituoso quem é ignorante daquele difícil e excelente ofício; da mesma forma, aqueles que querem regular a vontade, precisam conhecer sua estrutura. Assim, todo o movimento da alma ou é dirigido para o bem, ou para o mal: e o mal é ausência do bem. O ímpeto da alma reta está sempre dirigido para o bem. O movimento do malvado é de dois tipos: às vezes se retira, outras se aproxima, ou seja, evita o mal, fugindo dele, recebendo-o, ou esbanjando dele e atacando-o. Pelo resto, o bem e o mal ou nos surpreende face a face, ou nos provoca de longe, ou nos chama; ou seja, ou ele é presente, ou passado, ou futuro, ou possível. Buscando o repouso, em toda a parte, a vontade perturba o bem; e, por todos os lados, é perturbada pelo mal. Portanto, os afetos se distribuem segundo a obtenção ea segurança do bem e do mal. O amor reto e de olhar simples corre em direção ao bem, quando o vê presente, se transforma em alegria; quando o pensa como futuro, se transforma em esperança; quando passado ou possível, se difunde em desejo. Mas também a inclinação para o mal se distribui assim: aquela que simplesmente com aspecto turvo diz respeito ao mal, se chama ofensa; a que está enraizada se transforma em ódio; quando se subtrai do dano presente, se transforma em tristeza; vinculada ao passado, se chama arrependimento; relacionada com o futuro, se contrai em medo. Esta variedade serve para dar segurança e fazer o mal fugir. Há alguns outros efeitos guerreiros e atos de combate que se insurgem contra o mal e o atacam: a ira se arma quando o mal esta presente; a confiança e a coragem se preparam contra o futuro.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 372-374.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Primeira escolha moral - Capítulo I


A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO QUARTO
_______________________

PRIMEIRA ESCOLHA MORAL*
Considera-se e prescreve-se o uso dos afetos

CAPÍTULO PRIMEIRO
Agora, vou me dedicar a preceitos particulares, para regular todos, um a um, os ímpetos da vontade, que devem ser ordenados como na República, para não causar  confusão a muitos, a fim de que, corrigindo-se o vulgo de seus afetos, se restitua a sua Monarquia, o seu Principado de alegria, o seu Domínio de paz; ainda mais, para que se restitua o mérito da Vontade, o decoro da Natureza. Zenão [aqui, trata-se do estóico Zenão de Cítio (334 a.C.-262 a.C.); ndt] pareceu injusto, e se dermos crédito a Jerônimo [trata-se de São Jerônimo (347-420); ndt], também Pitágoras [trata-se de Pitágoras de Samos (c. 571 a.C.-c. 496 a.C.); ndt], porque, para mostrar os afetos como repreensíveis, os chamou de malvados. Elogiaram, segundo Pirro [trata-se do filósofo cético Pirro de Élis (c. 360 a.C.-c. 270 a.C.); ndt], segundo Estílpon [Estílpon de Mégara (c. 360 a.C.-c. 280 a.C.) foi discípulo de Diógenes de Sínope, sobre quem já comentamos em nota anterior, é um dos representantes mais importantes da chamada Escola Megárica, que criticava a filosofia platônica, especialmente no particular sobre a imitação que a realidade sensível faz do Ser; ndt], sua vacuidade. Condenaram, os que perteceram ao Liceu [trata-se da escola fundada por Aristóteles em 335 a.C., também conhecida como escola peripatética; ndt], seu excesso. Todos com erro, a não ser que tivessem o mesmo desejo de Agostinho [trata-se de Santo Agostinho (354-430); ndt]. Os adornos da natureza não são maus nem supérfluos. Por que cortar os braços e os membros da alma? Se tirarmos da alma o afeto, com que pés correria para adquirir a virtude se não com os desejos? Com que mãos a reteria, se não com a esperança? Com que braços a abraçaria, se não com a alegria? Também os Peripatéticos [escola fundada por Aristóteles que, em grego, significa “os que passeiam”, designando a forma como as aulas eram dadas no Liceu: os filósofos ensinavam ao ar livre, caminhando; ndt] erram quando condenaram a superabundância. A grandeza do afeto não é nociva, mas é a causa: não tanto ímpeto, quanto erro. O viajante não precisa ser corrigido porque está com pressa, se estiver na estrada certa: mas se se desviar dela, mesmo que seja uma viagem de lazer. A cobiça e o amor, mesmo sendo afetos muito impetuosos, se são virtudes e se são de Deus, seguem por caminho direito e são ótimos; se se dobram para a terra, mesmo que sejam lentos, perdem a via e se desviam do caminho direito. O Pórtico [trata-se da Escola Estóica, que tirou seu nome da palavra stoà que, em grego, significa “pórtico”, em referência ao fato que Zenão de Cítio, fundador da escola, ensinar sob o pórtico da Ágora, em Atenas; ndt] difamou o medo como maior de todos os vícios: é verdade, quando, por causa dele, tu te abaixas em direção à terra; mas se tu o reduzires ao Céu, será uma grande vitude, a maior segurança, a maior fortaleza. Quem teme a Deus, não teme nada. Tanto os frágeis, quanto os ferozes afetos são bons, se forem regulados pela virtude e forem colocados por ela no caminho certo. Se, por outro lado, forem degenerados, por mais justo que seja o ritual de todas as coisas, quanto mais veementes, mais prejudicias serão. O sangue puro e refinado é veículo da alma, e causa da saúde; corrompido e sujo, causa de doença; se superanbundar, apressa a morte. Os afetos também são sustento para a virtude: a fortaleza enfraquece sem a a ira, a prudência sem o temor; serão virtudes se forem moderados. Modera a cobiça e terás justiça; a volúpia e terás temperança. Em torno desses e nesses consiste a virtude, de que são sujeito e matéria. Colhe os vícios, bons frutos nascerão com a fecundidade da natureza. Só são ruins por causa da nossa negligência. Por descuido do Agricultor, o jardim crescerá selvagem. E o terreno não pode ser dito péssimo só porque, não tendo sido cultivado, germinam nele as plantas daninhas: é tudo culpa do Colono. Espinhos do coração não cultivado são os vícios, rosas do cultivado as virtudes, que germinam da haste dos afetos. Teages [é um dos personagens do diálogo platônico Teages. Nesse diálogo, Demódoco, pai de Teages, preocupado com o futurodo filho, quer saber de Sócrates qual é o melhor tipo de sabedoria; ndt] disse com razão: Quamobrem opus est, affectus ita inesse virtuti, ut umbrae, et linea sunt in pictura, quam vivam quodammodo, blandam, et ad rem ipsam efficiunt. Sic etiam affectus animae fecundum naturam se habentis, cum ad virtutem divino quodam impetu rapiuntur, vitam continere videntur. Sane virtus ex affectibus et nascitur, et nata rursum cum ipsis constat: ut quod suaviter concinnum est ex acuto, et gravi: quod recte temperatum ex calido, et frigido compositum est. Qua propter affectus ex anima tollendi non sunt, quod inutile foret: sed cum decore, et modi ratione conciliandi [no original latino, a citação aparece em grego, com a tradução na margem – como, inclusive, é o caso em todas as vezes em que há uma citação em grego ou hebraico. No entanto, a grafia utilizada no original e a qualidade da cópia não permite uma transcrição do texto grego; ndt]. De onde se tira que não é preciso cancelar todos os afetos, mas os regular. Não se cortam todos os ramos da videira: alguns são endireitados e alongados para que, ali, brotem as folhas. O solitário Filipe [certamente se trata do Abade Felipe de Harveng, que foi abade em Notre-Dame de l'Aumône (Nossa Senhora da Esmola), abadia cirteciense. Era arquidiácono de Liège em 1146, quando Bernardo de Claraval solicitou sua companhia para pregar a cruzada na Alemanha. Não há muitos dados acerca desse personagem. Sabe-se, porém, que em 1179 ainda era vivo (cf. Migne, 1855, p. 566); ndt] disse de forma elegante: prole belíssima da cobiça é a temperança; do cálice da ira se derrama a fortaleza. Estes afetos, como nos disse, são mães das virtudes e dos vícios. Assim é: dão à luz as virtudes, quando a razão é a obstetra; abortam os vícios, quando é a opinião. A cobiça, embora seja tida em péssimo conceito, e seja reputada prejudicial pela temperança, se, porém, dirige seus ímpetos para Deus, restaurará sua honra, se tornará Mãe da continência. Quem deseja as coisas divinas, despreza todas as terrenas.

* No original latino, Nieremberg optou por nomear cada parte inicial deste quarto livro do DAV com o título geral "Proaeresis", seguido de um subtítulo. Trata-se de um conceito fundamental no Estoicismo e aparece muito na Ética a Nicômaco de Aristóteles, que pode ser traduzido como volição, intenção, escolha moral, desejo, livre arbítrio, escolha deliberada. Trata-se da junção do verbo airén (pegar) com a preposição pró (adiante). Traduzi por "escolha moral" devido ao contexto do manual que pretende ser um manual de filosofia moral. Importante observar que, na versão italiana, o tradutor optou por não usar o conceito, preferindo apenas traduzir os "subtítulos" de cada uma das partes que compõem este início do quarto livro.

NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669.

Referência:
MIGNE, M. L'Abbé. Nouvelle encyclopédie théologique, ou nouvelle série de Dictionnaires sur toutes les parties de la Science Religieuse, offrant, en français et par ordre alphabétique, la plus claire, la plus facile, la plus commode, la plus variée et la plus complète des théologies. Ces dictionnaires sont ceux: de biographie chrétienne en anti-chrétienne, des persécutions, d'éloquence chrétienne, de littérature id., de botanique id., de statistique, id., d'anecdotes id., d'archéologie id., d'héraldique id., de zoologie, de médecine pratique, des croisades, des erreurs sociales, de patrologie, des prophéties et des miracles, de décrets des congrégations romaines, de indulgences, d'agri-silvi viti-horticulture, de musique id., d'épigraphie id., de numismatique id., des conversions au catholicisme, d'éducation, des inventions et découvertes, d'ethnographie, des apologistes involontaires, ds manuscrits, d'anthropologie, des mïstères, des merveilles, d'ascétisme et des invocations a la Vierge, de paléographie, de cryptographie, de dactylologie, d'hiéroglyphie, de sténographie et de télégraphie, de paléontologie et de cosmogonie, de l'art de vérifier les dates, des confréries et corporations, et d'apologétique catholique. Publiée par M. L'Abb. Migne, éditeur de la Bibliothèque Universelle du Clerge, ou Des Cours Complète sur chaque branche de la Science Ecclésiastique - Tome Vingt-Troisième: Dictionnaire de Patrologie. Paris: J.-P. Migne, Editeur, 1855.

Retomando o projeto


Dando continuidade à tradução do De Arte Voluntatis, dessa vez tomando por base a versão italiana (de 1669) que, diferentemente da versão francesa usada até aqui, é uma tradução completa do original latino, pretendo, nos próximos meses dar sequência ao trabalho, dedicando-me aos três últimos livros da obra que, segundo o próprio Nieremberg (1631), "numa notável continuação, prova como é conveniente e natural algum uso do afeto: ensina especialmente o uso do amor genuíno, e mostra como, sem partir dos dados da natureza, se poderá chegar à desordem", no Livro Quarto; "prossegue apresentando outros usos dos afetos – felicidade, esperança, desejos, ira, temores, tristeza. Prova como todos esses afetos são úteis e como nos foram dados pela natureza para defender a felicidade da alma. Demonstra que quem não os sabe usar recai na desordem", no Livro Quinto; e "descreve-se e recorda-se, em particular, o que diz respeito ao legítimo e verdadeiro juízo, contra as falsas crenças que impedem o uso natural dos afetos. Na continuação, isoladamente, compara e examina o bem e o mal, a riqueza e a carência, o prazer e a dor, a honra e a ignomínia, a vida e a morte; e mostra de que maneira uma vida muito bem instruída pelo espírito invade o fazer legítimo e natural da vontade", no Livro Sexto.

Se alguém se interessar em acompanhar esse trabalho e divulgá-lo, serei muito grato... mais grato ainda ficarei se receber daqueles que acompanharem ou que, por ventura, esbarrarem por aqui, comentários e contribuições acerca da obra e do autor.
É isso!
Paulo Roberto de Andrada Pacheco