quinta-feira, 1 de julho de 2010

Quarto prelúdio - Capítulo VIII

CAPÍTULO VIII
Não teria sido seriamente e segundo a dignidade de seu ministério que o Grande Apóstolo [refere-se ao apóstolo São Paulo (10 a.C.-67 d.C.); ndt] exortava os habitantes de Tessalônica a se alegrarem sempre? Estaria ele os obrigando a algo de tão difícil que eles não seriam capazes de realizar? Estaria ele lhes dando um conselho cuja prática seria impossível? Estaria ele imaginando que eles eram deuses para terem esse raro privilégio de nunca sentir dor, nunca ser incomodado por nenhum mal, de possuir uma alegria que não tivesse interrupção ou desordem? Esse não era, de forma alguma, seu pensamento; ele sabia que eles eram homens e, consequentemente, sabia que eram incapazes, por si mesmos, de uma tão alta prerrogativa; homens enfermos e mortais, incessantemente expostos às malícias da inveja, aos enganos de seus inimigos, ao furor das perseguições, a todas as injúrias da Fortuna, que não apenas é especializada em gastar todas as suas energias contra eles, como também acrescenta vaidade, malícia e ostentação ao que faz. Teria ele acreditado, então, estar fazendo Epicuristas, ou para bem dizer, criando Cirineus que se protegem da tristeza através do prazer e que buscam na Volúpia os remédios para a dor? Ele sabia bem que estava falando aos discípulos de Jesus Cristo, àqueles contra quem, além dos males ordinários da vida, se elevavam poderosíssimos e perigosíssimos inimigos, seus próprios parentes, o mundo e o inferno. Ele sabia que, segundo a regra que haviam recebido de seu mestre, e segundo o fervor com o qual eles tinham abraçado sua doutrina, eles deviam renunciar absolutamente à Volúpia, estavam obrigados de se desfazer da posse de todos os seus bens. Ele sabia que estava falando a um povo que estava numa violenta e geral opressão, entre aqueles cujos suplícios contínuos não seriam capazes de satisfazer a crueldade dos Tiranos, e onde a perda de uma parte não causava a saúde da outra. Ele acreditou que, em meio a tantas misérias nas quais eram acolhidos e ameaçados, não poderia aconselhar nada de mais necessário e mais razoável do que não se abandonarem à tristeza e se alegrarem incessantemente. Isso, certamente, é obra apenas do espírito; somente ele pode nos dar esta contínua alegria. Como ele poderia não nos dar essa alegria se ele só tem necessidade de si mesmo para formá-la? Se ele não somente está acima dos mais violentos esforços da Fortuna e fora do alcance de seus mais duros golpes, como também de sua visada? Seja lá o que ela [a Fortuna; ndt] possa fazer, ela não tem nenhum Governo sobre nós. Por um raro privilégio do qual ele [o espírito; ndt] não poderia se desfazer, ele conserva uma alegria imortal. Por meio dele, o homem, antes frágil e mortal, adquire a vantagem de se elevar à condição dos imortais.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 108-110.

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