CAPÍTULO II
Isso, no entanto, não é suficiente para nos curar e nos arrancar o lamento pela perda. Certamente, se ela é ligeira, por isso mesmo será pouco sensível, não podemos considerá-la com o mesmo preço daquilo que nos resta. E, se ela é grande, há muito mais motivo para nos regozijarmos do que para nos afligirmos. Este sentimento poderá parecer possivelmente pouco razoável no início; mas só o será para aqueles que não sabem ainda de que inquietudes e apreensões as riquezas vêm acompanhadas; que não sabem que sua posse, assim como sua perda, nos deixa em perpétua inquietude; não sabem que elas nos fazem sofrer incessantemente e são incompatíveis com a paz e o repouso do espírito. Se perdemos muito, teremos, daí por diante, menos motivo para temer; ficamos livres dos muitos cuidados; e, então, teremos menos problemas. Que loucura a nossa de nos crermos, no entanto, miseráveis! É uma loucura visto que, se nos contentarmos com o que nos resta, e se reprimirmos nossa cobiça, tornaremos melhor a nossa condição e seremos mais felizes do que fomos. Certamente, há muita injustiça em não querer apenas aquela que nos fez muito bem; que, nos tendo dado tudo, poderia, sem dúvida, nos tirar tudo, e teria o direito, pelo menos, de retomar para si parte do que nos deu. Não sejas injusto acreditando ser um dano teres restituído a ela o que é dela, mas crê ser um ganho teres recebido dela o que recebeste. Pensemos que estava em seu poder retirá-los de nós; que nós os havíamos possuído por muito tempo; que, pelo tratado que tínhamos com ela, não nos era permitido mantê-los por mais tempo. Mas, sobre todas as coisas, tenhámos muito cuidado com, comparando nossa condição com a de outros, não prestemos a devida atenção a nós mesmos. Assim como não há fortuna tão grande que seja contente de si mesma – tanto que ela sempre encontra uma que a ultrapassa ou que a iguala –, também não há nenhuma fortuna tão pequena que não seja satisfeita ou, pelo menos, consolada tão logo se dá conta de que não estão no mais baixo grau e que há uma abaixo dela. Esta máxima, no entanto, só é aplicável aos bens do mundo. E é somente nisso que é necessária uma grande precaução de não tirar os olhos de nós. Mas, é preciso usar, pelo contrário, naqueles bens do espírito e, sobretudo, nos bens que vêm da Virtude. Porque, como os primeiros só merecem desprezo, só nos restam os outros que sejam dignos de nossa estima e que possam, legitimamente, ser objeto de nossa ambição. Assim como devemos olhar para as riquezas temporais como olhamos para aqueles que nos são inferiores, é preciso, quanto às riquezas do Céu, nos propormos como superiores a nós, imitando-as a todo custo e, por uma inveja nobre e generosa, não sofrermos com o fato de que elas tenham vantagem sobre nós. No entanto, para além do fato de nos compararmos como os outros, é preciso também compararmo-nos conosco mesmos; pela inferioridade e desvantagem de nossa fortuna, comparada com o nosso mérito; e recompensando pela satisfação que nos dá este, os problemas que nos vêm daquela. Este remédio foi muito felizmente praticado por Ágis, um dos maiores homens de Esparta [não está claro a qual dos Ágis se refere Nieremberg. Seja como for, ao que tudo indica, trata-se de Ágis I (c. 930 a.C. – c. 900 a.C.), um lendário rei espartano, que fundou a dinastia Ágida; ndt]. Vendo que ia ser morto sem razão, ele não se divertiu exagerando sua infelicidade com lamentos inúteis, como fazem os homens do vulgo. Ele se fortaleceu de tão maneira com a consideração de sua inocência contra os rigores da Fortuna, que chegou mesmo ao ponto de desafiá-la, além de desafiar também seu mau destino. E como ele percebeu que o Executor, tocado pela compaixão, chorava e não conseguia colocar as mãos nele, ele lhe disse: Cumpre corajosamente o teu dever, e saiba que, morrendo injustamente, serei mais um homem de bem, valho mais do que aqueles que me condenaram. Pronunciando estas palavras, ele se apresentou com alegria à corda; e apagando a ignomínia de seu suplício pela glória de sua virtude, ele fez para si um colar de honra com uma corda infâme.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 451-454.
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