quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Quarto preceito - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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QUARTO PRECEITO
QUE é preciso buscar cuidadosamente a Verdade

CAPÍTULO PRIMEIRO
Tudo o que acabamos de dizer é para aqueles que, não tendo a segurança para combater abertamente os males, devem recorrer ao artifício para os evitar e que têm necessidade de compensar a falta de coragem com a habilidade. É certo que não seríamos capazes de ter cuidado suficiente na garantia contra a dor e a tristeza; não há nada que possamos fazer para nos defendermos das flechas de dois tão poderosos inimigos. É preciso, para isso, sem dúvida, um espírito firme e constante; que faça uma séria profissão de buscar, em todos os lugares e sempre, a verdade; que a proponha a si soberanamente; e cujo maior prazer, assim como a maior inclinação, seja abraçá-la e segui-la. Ora, antes de todas as coisas, ele deve saber que esta constância e esta firmeza só lhe podem vir da Razão. E é sobre este fundamento que se apoiou o Filósofo que disse que é preciso opor a coragem à Fortuna, a Lei à Natureza e a Razão às paixões [no original latino, Nieremberg cita nominalmente o filósofo Diógenes, sobre o qual já falamos anteriormente; ndt]. E, para bem falar a verdade, quem poderia, eu vos pergunto, melhor acalmar as tempestades que a Fortuna excita do que um espírito resoluto, que nada é capaz de abalar? Quem ensina e melhor guarda a Justiça do que a Natureza? Por quem a inconstância e a impetuosidade das paixões são mais bem impedidas do que pela Razão? É dela que a Verdade tira o seu Ser. Ela vem do Céu, ela procede de Deus, sua primeira e natural Origem. A Opinião, pelo contrário, que a falsifica, que é como seu Macaco, que afeta e tenta se passar por ela, vem da terra, procede dos sentidos corrompidos, ela é filha do engano e da ignorância. Enquanto que a Verdade ecoa a excelência do lugar de onde saiu, é igual e imutável, faz com que aqueles que a amam não sejam inconstantes e diversos, mas sejam sempre iguais a si mesmos; a Opinião, pelo contrário, que sente a baixeza de seu nascimento, e que, por esta razão, é flutuante e incerta, comunica seu defeito a seus sectários e os torna, como ela, incertos e flutuantes. Aquela nos enche de alegria e exerce sobre nosso espírito o poder de um Rei legítimo; esta nos domina como um Tirano, nos enche de problemas e de confusão. A primeira caminha sozinha e não tem necessidade de um séquito para ser autorizada e para estabelecer o seu império; a outra tem um séquito insolente e tumultuoso, é acompanhada pelas paixões, assim como de outros satélites violentos e cruéis. Numa palavra, a Verdade é simples, é uma, é sempre a mesma. É por isso que dois grandes Santos a nomearam A Lei universal das Artes, a Arte do Operário todo-poderoso [no original latino, Nieremberg escreve: “Vere a divinis Augustino & Prospero, dicitur lex omnium artium; & ars omnipotentis Artificis”. Trata-se, portanto, de Santo Agostinho (354 - 430) e de São Próspero de Aquitânia (c. 390 - c. 465); ndt]. Ela é a guia fiel da Virtude, e regra infalível dos hábitos. Seus sentimentos são, em todos os lugares e sempre, iguais; ela é invariável em seus julgamentos e pensamentos. A Opinião, pelo contrário, está numa miserável e perpétua irresolução. Aquilo que, antes, ela aprovava, no presente ela condena; ela não se determina; ela é sempre diferente de si mesma. Se, portanto, queremos que nosso repouso tenha um fundamento sólido e firme, é preciso que o estabeleçamos sobre a Razão e sobre a Verdade. Só há uma porta através da qual ela entra em nós; mas há muitas através das quais a Opinião se introduz, ela se arrasta por inúmeras aberturas – por nossos sentidos, por nossa imaginação, por nossos desejos, por nossos apetites. Não apenas ela excita e remexe as paixões, como também ela concorda com elas em diversos assuntos, ela segue seus movimentos e, com elas, muda frequentemente. Disso é que vem o fato de que aqueles que ela possui, não estando de acordo consigo mesmos, são incapazes de o ser também com os outros. Isso, porém, não acontece àqueles que são governados pela Razão; porque, recebendo de uma única fonte e como que de um único canal, a luz da Verdade, não são distraídos por esta multidão de falsas imagens que a Opinião costuma formar, e que impedem o espírito de agir com clareza no discernimento das coisas. É por isso que se tem razão de dizer que todas as máximas verdadeiras são irmãs, já que são filhas de um mesmo Pai, porque vêm todas do Entendimento [no original latino, o autor se refere explicitamente a Proclo Lício (412 - 485); ndt]. Assim é que, certamente, vemos as pessoas de bem e as razoáveis sempre conformes nos sentimentos e nos hábitos; enquanto que, ordinariamente, os outros são divididos e diversos, não conhecem a Verdade ou só a conhecem imperfeitamente, são semelhantes aos navios desgarrados durante uma noite obscura que não veem o Norte e não conseguem manter a rota direita. Com isso, podemos dizer que eles têm uma luz que permanece ofuscada, apagada pelas trevas da ignorância; uma luz que, sendo estendida sobre todas as ações de suas vidas, servindo como um véu espesso que lhes cobre os olhos, faz como que se choquem em todos os encontros e faz com que, como cegos miseráveis, tropecem incessantemente.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 472-475.

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