CAPÍTULO II
É preciso, portanto, apoiar fortemente os sentimentos que nos vêm da Verdade; e como eles são frios e lânguidos, por causa do pouco vigor que o Entendimento lhes dá, é preciso sustentá-los e, por assim dizer, nutri-los e aquecê-los, tendo por eles uma grande atenção e uma firme crença. É preciso ajudar a graça, estender-lhe a mão e acolhê-la, quando ela se comunica a nós. É preciso não apenas escutá-la, mas escutar o que ela diz; ouvir não apenas as palavras, mas compreender o seu sentido, recebê-las no coração; em seguida, fazê-las passar do coração às mãos, ou seja, colocá-las em prática e dar efeito ao que ela ordena. E, como quando alguém nos fala baixinho ou de longe, acudimos atentamente a nossa orelha e redobramos a nossa atenção, da mesma forma, quando acontece de se pronunciarem estas Verdades para nós, sem dúvida é preciso uma escuta tanto mais atenta, visto que nós as pronunciamos em baixo volume. É preciso empregar todo o nosso estudo para compreendê-las e retê-las. Ora, esta vantagem nos vem da Graça mesma, tão logo nós nos dispomos a recebê-la. Asseguremo-nos de que, por menor que seja o esforço que façamos para nos colocarmos diante dela e nos tornarmos capazes de recebê-la, ela se aproxima de nós, ela vem ao nosso encontro. E para possui-la inteiramente, nós só temos que não rejeitar os secretos movimentos que ela realiza em nós. Não é verdade que não tornaríamos público em alto e bom som uma verdade constante e que não seria razoavelmente contradita, que arruinando nossa cobiça nos permitiria estabelecer nosso repouso? Será que nos livraríamos de uma infame e cruel tirania que nos oprime? Não ouvimos dizer, agora mesmo, que o meio infalível para adquirir a paz do espírito é reprimindo nossas paixões; e que se somos os mestres, somos felizes; e também que nossa felicidade cresce na mesma medida em que a arrancam de nós? Certamente, não há nada que mais tenhamos à boca, mas não há nada também que menos tenhamos dentro do coração. Tão logo nos pronunciamos esta Verdade, não pensamos mais nela; temos nosso espírito em outro lugar, faltam-nos igualmente a atenção e a crença. Cegos e infelizes que somos! Por que, buscando com tanto cuidado a tranquilidade e a alegria, e não desejando nada com mais paixão do que chegar a isso, fazemos ao mesmo tempo todas as coisas capazes de nos privar disso? Por que, querendo nos tornar felizes, buscamos as honras e as riquezas que são manifestamente contrárias ao nosso desígnio, que se opõem ao nosso objetivo, e não apenas nos impedem de chegar à felicidade, como também nos precipitam na miséria? Dizemos que é preciso nos desfazer da ambição e da avareza, que é preciso apagar nossa cobiça e, no entanto, fazemos o possível e o impossível para mantê-la, dando-lhe material para que se reacenda. Certamente, nós nunca entendemos o sentido destas Verdades, nunca as compreendemos ou, pelo menos, nunca acreditamos nelas. Não nos persuadimos dos inconvenientes e das desordens que são causadas em nosso espírito quando nossas paixões estão desregradas.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 485-487.
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