segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quarta proposição - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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QUARTA PROPOSIÇÃO
QUE os males vêm mais da Opinião do que das coisas

CAPÍTULO PRIMEIRO
Desenganemo-nos inteiramente e descubramos, de fato, os males que recebemos da Opinião. É somente a ela que se devem os nossos males; eles não vêm, de forma alguma, das coisas. Somente ela é quem excita os temores e inquietudes que nos fazem sofrer; ela é a fatal causa dos problemas que se elevam em nossa alma; enquanto ela é ignorada, chegam-nos como que tumultos e sedições populares cujo autor não conhecemos muito bem. Temos em nós o inimigo que acreditamos estar fora de nós; somente a Opinião é que nos atormenta e nos faz a guerra; não tanto pelos males que ela nos suscita, mas por ela mesma; ela nos fere menos pela mão de outros que pelas nossas; ela é, sem dúvida, o maior de nossos males e, para dizer bem claramente, ela é nosso único mal. Estaremos nos enganando se acreditarmos que o mal se nos chega de outro lugar; não há nenhum mal que não venha dela e que não seja puramente obra sua. Eu vos pergunto, de onde pode vir o fato de que uma mesma terra parece, para um, o lugar de seu nascimento e, para outro, o lugar de seu exílio? E por que este último testemunha dor e aquele sente alegria? A Opinião é que faz esta diferença; ela persuade o último de que ele está em terra estrangeira, e não permite que ele escute a Razão que lhe diz que todos os lugares são a pátria de um homem de bem. Esta persuasão falsa e sem fundamento o enche de mal-estar. Ele só fica infeliz por que se imagina sendo. Nós vemos, sem sentir mal-estar e com o olho seco, a casa de um outro queimando e seu navio naufragando; não nos sentimos em nada tocados ou, se o somos, é apenas aparentemente; mas, se nos vemos em semelhante desgraça, ela nos aflige até ao último ponto da aflição e ficamos inconsoláveis. Uma vez mais: de onde pode vir isso, se não for da Opinião, que nos engana, persuadindo-nos de que as coisas são nossas? Se não tivéssemos esta crença, não teríamos nenhum sentimento de perda. Nossas infelicidades mesmas não seriam capazes de nos causar mais sofrimento do que aquele que sentimos pelas infelicidades dos outros. Ora, saibamos – e tenhamos isso por constante – que não há nada que nos possamos realmente chamar de nosso, além daquilo que está puramente em nós, além daquilo que depende de nossa Vontade; todo o resto pertence soberanamente à Fortuna. Que isso nos ensine que é preciso que tenhamos a mesma indiferença que temos pelas coisas que não nos dizem respeito também pelas coisas que são nossas; pois aquelas não nos são mais estrangeiras do que estas; e não temos menos razão em nos afligir por ver perecer as últimas mais do que por ver perecer as outras. Assim, portanto, é bem evidente que é somente a Opinião que causa nossa pena. Não seremos mais capazes de negar que somente nós é que somos culpados da desordem sobre a qual nos lamentamos. Nós jogamos essa culpa, em vão, sobre outros; e a causa está em nós. Somos os autores e os Operários de nossa própria ruína. Cessemos de nos fazer mal e cessaremos de recebê-lo; não façamos mais guerra contra nós e teremos uma paz eterna. O meio infalível para isso é seguir a Verdade e abraçar a Virtude; estando certos de que estaremos nos suscitando mal se nos afastarmos de uma e de outra; e que, para falar de forma correta, são somente as nossas faltas que nos causam sofrimento, seja porque nós nos fazemos algum mal, seja porque nós o imaginamos em coisas onde ele não está. Se não for mais razoável dizer que ele [o mal; ndt] ali está a partir do momento em que nos persuadimos disso, que, pelo menos, entendamos que nossa crença o estabelece ali o mal e empresta da coisa o ser e a força que o mal não tem por si mesmo. Que veneno poderoso é esse que pode haver na língua dos maledicentes para que sejamos atingidos primeiro no coração? Será que não há resolução suficiente em nosso espírito para que ele possa sustentar a espera? Não basta um trovão para que sejamos abatidos, permanecemos firmes diante de um relâmpago; mas basta uma simples palavra pronunciada por um invejoso, que tenha saído de sua boca, para nos jogar por terra. De onde pode vir o fato de que a Opinião – que perverte, como é seu costume, nosso entendimento –, nos faça acreditar que é uma extrema infelicidade ser atacados pela calúnia? Ou que aquilo que se diz sobre nós possa ser verdadeiro ou não? Se, porém, for mesmo verdadeiro, por que temos vergonha de ouvir falar daquilo que não tivemos vergonha de fazer? Se não é verdadeiro, não deveríamos nos consolar e nos alegrar com o testemunho que nossa consciência nos dá sobre nossa inocência? Certamente aquele que nos calunia receberá o mal que ele pensa nos estar fazendo; todas as flechas que ele nos lança cairão sobre ele; ele fere sem pensar nisso, e nós só somos feridos quando pensamos estar sendo feridos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 412-415.

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