CAPÍTULO VII
Que não pensemos, no entanto, que, dessa forma, queiramos algo mais do que uma segurança falsa e enganadora; cujo fundamento é apenas a imaginação e o capricho. Queremos torná-la sólida e real, estabelecê-la firmemente sobre a razão e sobre a verdade. Uma e outra nos ensinam que a multidão está no erro; que, governando-se apenas pela Opinião, que é cega e enganadora, ela não conseguirá ver para onde vai e será enganada. Nisso, não temos, de forma alguma, que contar os sufrágios, mas temos que pesá-los; é preciso examiná-los pelo valor, e não pela quantidade. O vulgo, em todos os tempos, foi julgado impertinente e muito iníquo. Não é nele que devemos acreditar; mas nos Sábios e esclarecidos, que, no alto e puro conhecimento que têm das coisas, sabem o justo preço de cada coisa; discernem claramente o bem do mal, e não se enganam em sua escolha. Eles nos exortam seriamente a renunciar a todas estas velhas Opiniões com as quais o vulgo nos infectou. É preciso nos desfazer, eles dizem, desta má complacência que nos colocar em perigo de perecer acreditando nos outros; é preciso também não nos obstinarmos num erro só porque ele é autorizado pelo tempo e pela crença comum dos povos; é preciso não se desculpar pelos próprios defeitos e não os defender em nada contra a autoridade soberana da Razão. Que cegueira é esta a nossa que nos priva do direito que ela [a Razão; ndt] nos dá de julgar as coisas, preferindo ser escravos do sentido dos outros que reinar sobre os nossos próprios sentidos, dando às coisas o preço que mais nos agradar; e fazendo-as depender de nós, ao invés de cair na infelicidade de depender absolutamente delas? Já aprendemos que, não estando a nossa disposição fazê-las mudar de Natureza, podemos, pelo menos, mudar os significado dos termos que usamos para exprimi-las; coloquemos em prática um meio igualmente fácil e salutar: estimemo-las tal como queremos e tomemos a liberdade de lhes dar o preço, da mesma forma que Adão teve a liberdade para dar a elas os nomes que têm. Eis a ação mais importante que poderia ocupar a nossa razão. Sem dúvida, ela nunca há de ter emprego mais nobre e digno do que esse. Cabe aqui, então, lançar os fundamentos de nossa felicidade e levantar o seu edifício até aos Céus, a fim de garantir-se contra os desígnios e as tempestades da Fortuna. Sejamos iguais e constantes na condução de uma tão grande obra; que a Razão e a Verdade nos sejam úteis nesse trabalho de medir e regrar; elejamos com luz as coisas que devem compor nossa alegria; e cuidemos com bastante atenção de não cair no inconveniente onde se encontram aqueles que construíam aquela imensa torre que pode ser chamada de a obra-prima imperfeita da temeridade dos primeiros homens [no original latino, aparece: “Confusio intercipit vota, & consilia tua, ac linguarum apud Babylonem conturbatio: aqua postulabatur, sed administrabatur later, attollitur rupes”. Trata-se da Torre de Babel; ndt]. A diversidade das línguas que foi o seu castigo, os colocou numa tal desordem que, não se compreendendo mais, eles carregavam uma coisa achando que era outra, eles apresentavam madeira quando lhes era pedido pedra. Assim, porque estamos em desacordo conosco e não nos escutamos mais, acontece algo que é contrário ao que esperávamos. Somos ainda menos satisfeitos, já que não obtemos nada que realize nossos desejos, e nunca os eventos respondem às nossas intenções. A Vontade fica descontente, tomando por bem o que é mal; ela o deseja [o bem; ndt] com ardor e, conhecendo seu desprezo [do mal; ndt] quando o obtém [no lugar do bem; ndt], ela fica confusa e triste. Ela sente vergonha e dor por ter desejado aquilo que deveria temer; e de ter empregado sua busca por aquilo do que deveria fugir. Assim, caímos na miséria, seguindo as mesmas vias que havíamos crido nos levar à felicidade. Nossa cobiça cresce nesse erro; ela é incapaz de se satisfazer, porque, mesmo quando ela obtém um bem, ou ele deveria ser outro ou ele será menor do que ela havia esperado; ela nunca as possuirá inteiras, pois é sempre enganada. Esta desordem procede do fato que, ao invés de mudar os sentimentos que temos pelas coisas, queremos mudar as coisas mesmas. Queremos empreender o que é absolutamente impossível, e não o que é mais fácil. Ainda precisamos aprender que isso não está em nossas mãos; que só temos direito sobre nossos pensamentos e sobre nossos sentimentos; e que a Fortuna tem uma soberana potência sobre todo o resto. Mas, não admiremos o trabalho inútil que temos de procurar fora de nós o remédio para nossa miséria; saibamos, porém, que ele está em nossas mãos e que, sem sofrer em vão, como ordinariamente fazemos tentando mudar a natureza das coisas que chamamos más, só teremos que imaginar que elas não o são; não acreditando em nada na Opinião; reformando nossos sentimentos e justificando as coisas como sendo não culpadas das desordens que nós lhes imputamos.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 408-411.
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