terça-feira, 21 de dezembro de 2010

II Tópico sobre o uso da opinião - Capítulo II

CAPÍTULO II
Fomos demitidos de uma honra pública? Não creiamos que isso seja uma infelicidade como o fazem os homens do vulgo; e guardemo-nos de nos afligirmos; discorramos assim dentro de nós: “Quem pode me assegurar que, se eu tivesse ficado mais tempo nesse cargo, a Inveja e o Ódio que se ligam àquilo que há de eminente e, ordinariamente, perseguem aqueles que estão acima dos outros, não me teriam arruinado? Sabendo, como sei, das desordens que elas causam no mundo e aprendendo, pelos grandes exemplos que se vê, sem cessar, de sua crueldade, que elas não perdoam a ninguém e nunca fazem o mal pela metade, eu não deveria entender que, não estando contentes por destruir minha fortuna, elas não teriam tomado também a minha pessoa, elas não teriam envolvido na mesma ruína geral a minha honra, as minhas riquezas e a minha vida? Se houvesse alguém que, prevendo a minha derrota, me tivesse assistido com seus conselhos, cuidados e próprios bens para previni-la, e me tivesse dada o meio de conseguir uma honrosa aposentadoria, ele não me teria, com isso, obrigado extremamente? Há algum tipo de reconhecimento que eu não deveria a ele? Eis-me, presentemente, no estado no qual estarei então. Tenho tudo aquilo que poderia desejar, tendo minha reputação inteira, meus amigos, meus bens e minha vida. E mesmo a Fortuna, que por uma graça particular e que ela faz raramente àqueles que ela elevou aos grandes cargos, não me deixou descer de onde ela poderia me ter precipitado. E não me tendo sido cruel, não me foi também liberal; e não me tirando coisa alguma daquelas que ela costuma arrancar dos outros”. Caímos doentes? Mesmo isso não é sem consolação; muitas vezes, inclusive, se pode encontrar nisso motivo para alegria. É possível, com isso, evitar alguns violentos ultrajes da Fortuna; estamos protegidos de muitos males que poderiam nos chegar. Se nossa indisposição não nos mantivesse no leito, nós iríamos aos lugares de dissolução e de devassidão, aos lugares onde o vício é aprendido e exercitado. Não teríamos os movimentos que nos vêm e que nos impelem à reforma de nossa vida, à conversão a Deus, a ser gente de bem. Seríamos cúmplices de qualquer desordem que se poderia cometer enquanto isso e que causaria possivelmente nossa morte ou nossa infâmia. Estaríamos na cidade ou no campo e, por isso, facilitaríamos o efeito dos desígnios de um inimigo, que nos prepara emboscadas e nos procura para exercer sobre nossa sua vingança. Estaríamos, talvez, em algum perigo iminente de vida; e, então, gostaríamos de estar onde estamos agora. Compraríamos com o preço de nosso sangue a felicidade de estar de volta ao nosso leito. Desejaríamos a febre que nos faz sofrer; ficaríamos felizes de poder ter a cólica ou a gota. O que mais posso dizer? Daríamos uma de nossas mãos para nos livrarmos do perigo. Ora, nós o evitamos, ficamos isentos dele, sem que ele nos custasse nada. Gozamos da Vida, e logo retomamos a saúde. Não teremos nisso mais motivo para a alegria do que para a tristeza?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 456-458.

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