terça-feira, 21 de dezembro de 2010

II Tópico sobre o uso da opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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TÓPICO PRECEITUAL SOBRE O USO DA OPINIÃO
SEGUNDO LUGAR
DA contingência

CAPÍTULO PRIMEIRO
Estes dois meios infalíveis de conseguir nosso repouso, pelo legítimo uso da Opinião, já estando bem estabelecidos, nos abrem o caminho para a prática de um terceiro; que nos virá de uma reflexão que faremos em nós mesmos: que um mal maior do que aquele de que nos lamentamos pode nos chegar. Esta casa que construimos com tantas despesas e cuidados pegou fogo? Vimo-la caindo em ruínas? Consolemo-nos desta maneira ou, para mais bem dizer, testemunhemos assim a nossa alegria: “Eis a minha casa por terra, mas eu não cai com ela; estou vivo e inteiro; encontro-me são e de pé. Se ela incomodou minha fortuna, ela não fez mal algum à minha pessoa; não fui soterrado por suas ruínas; posso esperar por uma tumba mais nobre. Perdi minha prataria, afundaram-se meus mais belos móveis; mas me deixaram a vida. Aqueles que me roubaram poderiam ter feito pior. Tendo contentado sua avareza ao levar minhas riquezas, eles poderiam satisfazer também sua crueldade pela efusão do meu sangue. Isto não me tendo acontecido, não seria motivo suficiente para que eu louve minha fortuna? Não tenho, por isso, motivo de me crer feliz, não tendo caído numa tão grande infelicidade? Será que o que me levaram tem tanto valor que mereça se comparar ao que me resta? Que bem pode ser tão mais precioso que a vida? E, visto que eu ainda a tenho, será que deverei me lembrar de minhas perdas, sendo que tenho com o que as reparar? Quantos homens se perderam apenas porque eram ricos? Quantos se viu cujos empregados e familiares derramaram o sangue a fim de obter os bens? Isto ainda pode me acontecer. E se eu fosse reduzido a esta miserável eleição entre morrer e abadonar minhas riquezas, será que eu não tomaria este último partido? Será que isso seria difícil para mim? O viajante que cai nas mãos de ladrões dá livremente a sua bolsa, para salvar a sua vida. Aqueles que estão perto do naufrágio jogam no mar tudo o que têm, eles ficam contentes de perder tudo para não afundarem. Para que uso mais digno e necessário se poderiam empregar os bens do que para a conservação do mais caro e nobre de todos os bens? Com o contentamento de ainda poder gozar deles, tenho a vantagem de não os dever a ninguém; não me vi ainda numa tão deplorável situação extrema de ter que esperar a vida da mercê de um ladrão, de um mal parente ou de um empregado. Minha condição pode, portanto, ser pior do que é. Não terei, por isso, mais motivo de me regozijar do que de me afligir?”.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 454-456.

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