terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Segundo preceito - Capítulo III

CAPÍTULO III
Esta é uma verdade da qual nós podemos razoavelmente duvidar; sabendo, como sabemos, que a mais agradável de todas as coisas, aquela cuja propriedade mais sua é agradar, que só possui características amáveis e encantadoras – a Beleza mesma – pode ser olhada a partir de um ponto de vista desagradável. Pensemos nela a partir do lado que é estranho aos bens do espírito e que, consequentemente, a partir daquele lado que não a tem entre o número daqueles bens que compõem a felicidade perfeita. Consideremos, eu vos peço, o poder absoluto que o tempo tem sobre ela; os ultrajes que ela recebe por causa de sua inconstância; as visíveis e cruéis marcas que ela carrega dos castigos recebidos. Que alegria nós seríamos capazes de estabelecer, que segurança poderíamos ter nas coisas mais frágeis e inseguras do mundo? Certamente que, por mais frágil que seja o vidro, é possível dizer que ela é incomparavelmente mais frágil. Ele só se quebra se algo bater nele com força; se se evita o choque ou a queda, se evita a sua ruína; mas ela cai sem que nada a toque; ela se destrói, na medida mesma em que subsiste; é uma flor que murcha e desvanece tão logo desabrocha; ela perde seu lustro enquanto brilha; ela decai na medida em que se mantém; ela dura apenas para perecer. Se aquilo que, em nós, há de mais firme e consistente vai embora, que aparência, o que de mais vão e ligeiro, pode permanecer? Se a substância passa, que acidente permaneceria? Vós que vos gloriais de vossa beleza, quereis saber o que ela é? Tende apenas um pouco de paciência, e vereis que ela não existe mais; esperai um momento, e experimentareis que ela já acabou quase antes que a tenhamos definido. Que cegueira é essa a vossa que vos leva a vos estimar felizes por possuirdes uma coisa tão passageira? Pensai que não somente ela não faz nada pelo vosso soberano bem, como também ela pode mesmo encher-vos de tristeza, sobretudo se e ela não estiver acompanhada de uma alma inocente e direita; por si mesma, ela não vale nada e não é digna de nenhuma estima, e não pode ser considerada justa, a não ser se a justiça vier da virtude. Certamente, sem ela [a virtude; ndt], não há nada mais do que nos possamos gloriar. Não há bem algum, senão este. Fora disso, não seríamos capazes de pretender legítima satisfação de todas as liberalidades da Natureza e da Fortuna.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 438-440.

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