segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

V Tópico sobre o uso da opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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TÓPICO PRECEITUAL SOBRE O USO DA OPINIÃO
QUINTO LUGAR
DO exemplo

CAPÍTULO PRIMEIRO
Praticaremos em seguida outro remédio que não é menos soberano que os precedentes. Ele consiste em nos propormos o exemplo daqueles que estiveram, como nós, na dor e no sofrimento. Nisso, no entanto, é preciso que evitemos imitar o vulgo que, por uma boba e cruel maneira, se consola com a multidão de miseráveis e retira da pena dos outros o alívio e o prazer. Coloquemos, portanto, diante de nossos olhos aqueles que sofreram seu mal com constância; aqueles que o suportaram com alegria; aqueles cuja paciência foi além dos termos ordinários. Pensemos naquele nobre Cidadão de Reggio [assim se lê no original latino: “Composuit Python Rheginus mortem cum gloria virtutis, & animose provocavit concives”, que poderia ser traduzido assim: “Pitão de Reggio viveu a morte com a glória da virtude; e animadamente provocou seus concidadãos”. O nobre cidadão a que se refere o traduto é o filósofo pitagórico Pitão de Reggio (séc. IV a.C.), que viveu em Reggio, na Sicília, durante a tirania de Dionísio I; ndt] que Dionísio, o Tirano, que havia cercado a cidade, o amarrou a uma máquina destinada a derrubar as muralhas; a fim de que aqueles de dentro se detivessem pelo temor de causar algum mal àquele que tanto bem havia feito à pátria, de forma que sua vida, certamente, lhes devia ser muito cara. Pensemos nele solicitando e gritando-lhes para virarem suas armas para aquele lado; para não o pouparem, a fim de não caírem no inconveniente de pouparem seus inimigos; e, por uma ruinosa consideração por sua salvação, se tornassem autores de sua própria perda. Seguramente, sentiremos vergonha de ver que se tenha matado um homem que tenha desejado a morte, que a tenha pedido insistentemente e com as mãos juntas; e que não sejamos capazes de suportar os menores males que nos façam sofrer minimamente. Se não tivermos perdido completamente a razão, enrubesceremos diante de nossa impaciência, ao considerar sua invariável firmeza. Com isso, nos lembraremos da fragilidade de nossa condição, e de que não há nada que diminua tão potentemente o peso dos fardos que ela nos impõe do que pensar que é absolutamente necessário que nós os carreguemos e que não seremos capazes de nos defender deles. Nós diremos: “não somos Deuses, mas homens frágeis e mortais; é inevitável que soframos. Todas as coisas de que nos lamentamos são necessariamente causadas pela enfermidade de nossa Natureza”.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 464-465.

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