terça-feira, 5 de outubro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXIX

CAPÍTULO VIGÉSIMO NONO
Na verdade, quando a Paciência for considerada sozinha, quando a desprovermos de todas as vantagens que a acompanham e que ela parecerá nua, ela terá, por ela mesma, tanto brilho que muitos homens quiseram fazer passar por virtude uma dureza, uma obstinação em sofrer: eles elevaram ao mais alto grau e debitaram sob um tão belo título a abstinência dos habitantes de Samos, a severidade dos Estoicos, o rigor dos Cínicos, a dureza dos Gminosofistas [é o nome dado pelos gregos aos filósofos orientais que meditavam nus acerca da indiferença, vagueando pela Índia; ndt], e semelhantes ações de loucura e de desespero. Uns e outros estabeleceram a sabedoria sobre a Paciência, como se sobre seu verdadeiro fundamento; toda a Filosofia tomou dela [da Paciência; ndt] seus mais especiais e magníficos títulos; ela [a Filosofia; ndt], em todos os tempos, apresentou-os todos em sua doutrina e em seus hábitos. O jovem homem que tendo sido enviado a Atenas para aprender o comércio, trocou generosamente o desígnio de sua viagem; e, por um pensamento mais nobre do que aquele que tiveram seus pais, preferiu o Liceu ao banco, e preferiu se instruir na arte de se fazer sábio do que na arte de se fazer rico; por isso, ele é um exemplo suficiente para justificar essa verdade [no texto latino, Nieremberg escreve: “Aedesius postquam mercaturae gratia missus à patre in Graeciam, Philosophiae dedit operam; post reditum plagis acceputs, parientissime ferens, roganti patri quid in Philosophorum schola didicisset”. O jovem a quem se refere o tradutor, na verdade é o filósofo neoplatônico Edésio (c. 280-c. 355), que se estabeleceu na Síria, emigrando da Capadócia, atraído pelas aulas do filósofo Jâmblico (245-325); ndt]. Como, em seu retorno, seu pai tenha derramado sobre ele maldições e golpes e, com aquele orgulhoso desprezo que normalmente acompanha a ignorância, o tenha questionado sobre o proveito que ele tirara na escola dos Filósofos, ele respondeu, de sofrer sem pena o mau tratamento que eu recebo. Um discípulo de Zenão testemunhou, num encontro semelhante, que o exercício da Paciência é o objeto mais comum do estudo da Filosofia, bem como é também o fruto mais precioso desse mesmo estudo [no original, Nieremberg escreve: “Idem disciplinae testimonium Zenonis alumnus per hibuit. Maius Possidonio periculum fuit; etiam volentes ipsos dolores maledici non exaudivit”. Trata-se de Posidônio de Apameia (c. 135 a.C. – c. 50 a.C.), que foi político, astrônomo, geógrafo, historiador e filósofo grego, seguidor da escola Estoica; ndt]. Mas, esta prova custou bastante àquele que, por uma presunção ordinária àqueles de sua Seita, pensando debitar sua sabedoria a um preço mais alto do que os outros, quis parecer insensível aos maiores esforços da dor, até ao ponto de desprezá-la e desafiá-la: Tu te esforças em vão para me atormentar; por mais insistente e irritada que tu possas ser, tu não conseguirás me fazer crer que tu sejas um mal. Outro, mais sábio do que ele, encontrando-se sob os efeitos de uma cólica furiosa, e não dissimulando em nada o sentimento de seu mal, não fez a loucura de fingir uma falsa sabedoria, e estabeleceu a verdadeira [sabedoria; ndt] na paciência, visto que ele sabia muito bem que é nela que a sabedoria consiste e que é dela que a virtude recebe aquilo que tem de mais nobre e santo [no texto latino, aparece: “Sed & Dionysius Heracleotes, cum non dissimulavit, non potuit simulare Philosophiam, quam una cum patientia posuit adeo auctoritas, & augustum illud, quod in virtute miramur a constantia sustentatur”. Trata-se de Dionísio, o Renegado (c. 330 a.C. – c. 250 a.C.), também conhecido como Dionísio de Heracleia, que foi um filósofo estóico e pupilo de Zenão de Cítio e que, no final da vida, afligido por terríveis dores, abandonou o estoicismo; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 267-269.

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