quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Segundo meio - Capítulo III

CAPÍTULO TERCEIRO
Com isso, podemos dizer que esse tormento não é menos infalível que estranho. Podemos, seguramente, dizer que sua segurança ultrapassa também sua grandeza. Nunca se viu Tirano algum que não tenha concedido graça a alguém; ou mãos de que se tenha escapado, seja pelo perdão que pela fuga. Nunca houve quem não se tenha alguma vez enganado pelos ministros de sua vingança. O remorso é o único Tirano da crueldade, contra quem nada é capaz de nos garantir, ele não é sensível absolutamente à piedade, não temos nem amigos nem crédito perto dele, e não seríamos capazes de escapar dele, nem pela força nem pela indústria. Ninguém, certamente, pode fugir e enganar; ninguém é prevaricador, ninguém é infalível diante de sua consciência. Ter remorso é estar numa escravidão perpétua, é carregar uma corrente da qual não é possível se desfazer; é estar sobrecarregado com um jugo de que é impossível se libertar. Um antigo disse, depois de Platão, que a pena é a companheira inseparável do pecado [no original latino, Nieremberg escreve: “Laxe a Victore dictum: Contermina poenae culpa suae est. Item & a Platone”. Porém, não conseguimos identificar esse autor: será São Victor (?-303)? Ou o Papa São Victor I (155-199)? Ou ainda Hugo de São Victor (1096-1141)? É bem provável que seja este último, mas será preciso uma pesquisa mais atenta para se chegar a alguma certeza a este respeito; ndt]. Outro, mais apropriadamente, a nomeou sua irmã de leite [trata-se de Hesíodo (séc. VIII a.C.), poeta grego; ndt]. Mas, é muito mais razoável dizer que ela, na verdade, é sua filha, visto que não apenas ela nasce com ele, mas também nasce dele. Também é preciso dizer que ela é formada por uma fecundidade infeliz, parecida com aquela daquele tipo de animais que, estando ainda no ventre de sua mãe, carregam um feto e são pais ao mesmo tempo que filhos. E certamente é a primeira e maior pena do pecado: ser o autor de sua própria pena. Não há desculpa legítima alguma contra as reprovações da consciência. Aqueles que ela condena não conseguem se persuadir de que não sejam culpáveis, ainda que, pela opinião de todo mundo, eles até passem por inocentes.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 281-282.

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