quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Segundo meio - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO SEGUNDO
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MEIOS infalíveis para adquirir a felicidade.
SEGUNDO MEIO
QUE é preciso evitar, cuidadosamente, tudo aquilo que pode nos causar arrependimento

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, é preciso retornar ao poder que a Paciência tem sobre os males, lembrando que é isso que aumenta mais o seu valor e que é através disso que sua glória é mais solidamente estabelecida. Nós mostramos, até aqui, o Império que ela tem sobre a Fortuna e sobre todas as coisas que a opinião nos faz tomar como más. Coisas que não o são, de fato, mas apenas são assim tomadas pela nossa imaginação. Se, com efeito, elas não o são mesmo, nós acreditamos nisso de tal forma que fazemos delas males verdadeiros. A pobreza, a dor, a infâmia serão defendidas por nós, serão justificadas por nós. Não havendo nelas nenhum outro mal além das injúrias que recebemos da Fortuna – nos enganar e nos persuadir de que sejam males. É por isso que essa grande Virtude, que produz tão raros efeitos – a Paciência – não teria glória alguma ao ultrapassar esses males imaginários, e seria uma muito fraca vantagem a Vitória sobre inimigos tão vãos. Seu louvor é legítimo e o é porque ela age contra males verdadeiros, não tanto por nos fazer sofrer com eles, mas de uma maneira muito mais nobre, quando nos faz evitá-los. Porque, para falar seriamente, somente o mal que se faz é a causa do mal que se sofre, a dor é o fruto de más ações. Ora, como a impaciência as produz e mantém, ela é muito mais perniciosa, já que é sua mãe e nutridora; a Paciência, pelo contrário, muito mais excelente, não as admitindo de forma alguma, nos guarda de cometê-las, faz com que as evitemos. O maior de todos os males é nos deixarmos enganar pela sua aparência durante o comércio que temos com elas; e se sua feiúra e sua deformidade natural, que não pode ser descoberta antes, não aparecer depois e não tirar a máscara sob a qual se esconde, não haverá salvação para nós. Esse é o defeito comum e, por assim dizer, o vício ordinário de todos os vícios: introduzir-se com falsos títulos, fazer-se passar por algo que não se é, parecer, no início, doce e agradável e, depois, mostrar-se cheio de dor e desespero! Que perigo pode haver em admitir e sofrer isso? De um lado, sua força e poder são tamanhas que mesmo depois que passa a ação que têm sobre nós, e mesmo quando podemos dizer seguramente que não estão mais agindo, elas subsistem ainda, nos pressionam através do arrependimento e da dor que nos deixam; e sua malícia é, por outro lado, tão grande que, quando estão agindo, se subtraem ao nosso conhecimento e se fantasiam e se guardam de passarem por aquilo que realmente são. Tão logo cometemos o pecado, ele não nos diz o quanto ele é malfeitor e perigoso; mas depois ele se explica suficientemente através dos incômodos aos quais ele nos abandona. O que deveríamos esperar de sua presença e o que não deveríamos temer de forma alguma, visto que sua ausência mesma é tão cruel? Para evitar, portanto, essa extrema infelicidade, e conseguirmos um sólido repouso, sem o qual só conseguiríamos pretender inutilmente a posse da felicidade, sendo, como é, a fonte da e, às vezes, a felicidade mesma. Rejeitemos com um cuidado exato e escrupuloso tudo aquilo que pode nos causar arrependimento. Pratiquemos apenas aquilo que é legítimo, que é inocente, que leva à Virtude, que tem sua marca e seu caráter. Que paz, que satisfação seria, eu vos pergunto, ter aquele que, tendo se feito seu próprio inimigo, faz a guerra mortal contra si mesmo? Que vida é a vida de um homem que se dilacera com suas próprias mãos? Como pode repousar aquele que sofre com um remorso secreto, está continuamente em dificuldade? E que alegria ele sentiria em meio aos prazeres e às delícias? Na maior de todas as prosperidades? Cheio de honras e de bens? Não há calor ou frescor exterior algum que possa nos proteger do frio e do calor que a febre nos causa por dentro. Temos condições de nos protegermos dos rigores do inverno e dos ardores do verão; mas o que quer que façamos para evitar os assaltos da consciência é inútil, mesmo que pareça que a Fortuna nos esteja ajudando e por mais poderosa que seja a assistência que ela nos presta.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 279-282.

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