sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Terceiro meio - Capítulo VII

CAPÍTULO SÉTIMO
É exatamente assim que entendemos a virtude. Já não fizemos, uma vez, a comparação mostrando a conformidade particular que há entre ela e a Música? Assim como esta última agrada naturalmente e dá prazer tanto àqueles que não a conhecem como àqueles que têm inteligência dela, também a outra agrada àqueles que não a têm como também àqueles que a possuem. A experiência justifica que mesmo os Viciosos a consideram com estima e a reverenciam nos outros aquilo que não conseguiriam encontrar em si mesmos. Dá-se a glória à Música por ter, outrora, levantado os muros de um cidade; a Virtude faz algo ainda maior e mais admirável; e aquilo que é uma fábula para aquela, é uma verdade para esta; ela [a Virtude; ndt] edifica a Cidade do Céu. Uma e outra recriam o espírito; elas o excitam com a alegria. Todas as duas exigem exercício e demandam estudo e atenção. A Virtude, assim como a Música, produz sua obra; não se trata de uma obra consistente, como a obra das artes mecânicas; ela é das Artes liberais, sua obra é sua operação. É suficiente para os operários sedentários e para aqueles que exercem uma arte pública expor sua tarefa para que se faça ver a sua habilidade. Julga-se um Pintor e um Escultor pelas imagens que eles mostram; e visto que elas sejam boas, não se fica inquirindo sobre a forma como eles trabalharam para realizá-la; e se foi por acaso ou por habilidade que eles conseguiram; nesse sentido, eles até poderiam ter realizado a obra sem se dar conta, sem conhecer adequadamente a arte ou, pelo menos, sem observar suas regras e máximas. Há um Pintor famoso que, jogando com cólera uma esponja em sua obra, a concluiu felizmente, e fez, por despeito, o que não conseguiu fazer por Arte [no texto latino, Nieremberg não fala de “um” pintor específico, mas fala hipoteticamente de um pintor que assim agisse; ndt]. Dessa forma, ele não tem Virtude, pois ela não faz nada por ignorância, nada por cólera; ela toma de empréstimo ainda menos do acaso, visto que ela é sua inimiga; e ela não quer dever nada à Fortuna. Se o bem que fazemos não for ordem sua e parte de seu método [da Virtude; ndt], ele será irregular e falso. Nós fazemos mal uso da virtude quando não agimos conforme sua prescrição. Em todas as outras artes, uma só obra é suficiente para mostrar a inteligência que se adquiriu acerca dela. Um operário se contenta com isso e, se ele quiser, não lhe é necessário trabalhar muito. Mas, assim como o Músico não seria capaz de mostrar sua Arte se não cantasse, nós também não seríamos capazes de mostrar que agimos bem se não agirmos. E certamente não será suficiente agir assim uma única vez; é preciso fazer incessantemente, é preciso mostrar que se possui a Virtude por um contínuo exercício da Virtude mesma.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 303-305.

Nenhum comentário:

Postar um comentário