sábado, 16 de outubro de 2010

Terceiro meio - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO SEGUNDO
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MEIOS infalíveis para adquirir a felicidade.
TERCEIRO MEIO
QUE devemos praticar as ações virtuosas e que elas nutrem a alegria

CAPÍTULO PRIMEIRO
Sendo que as boas ações são fontes felizes de onde jorra a alegria e legítimos títulos que nos garantem sua posse, busquemos ardentemente a Virtude; coloquemos toda a nossa correção e todo o nosso estudo em jogo para chegar aí; não deixemos jamais de agir bem. Nisso deve estar nosso maior cuidado e nossa tarefa principal, já que se encontra nisso, sem dúvida, o mistério de nossa felicidade. Não haveria sacrifício mais digno do Céu do que lhe oferecer como vítimas agradáveis nossas próprias mãos. Os Antigos Portugueses cortavam a mão direita de seus cativos e a imolavam a seus Deuses, se impondo, através disso, uma obrigação necessária de abraçar o sofrimento e pareciam lhes prometer, com essa mão, não lhes deixar ociosas. A exemplo desse povo, e mais razoavelmente ainda – já que temos as luzes e os conhecimentos que eles não tinham –, ofereçamos a Deus nossas próprias mãos e não aquelas de outros. Sem dúvida, é nos louvar muito mal, ou ainda mais é não nos louvar em nada, dizer apenas que não somos viciosos; e só pode ser um louvor na medida em que temos complacência com nossos defeitos e nos bajulamos a nós mesmos. A corrupção do mundo chegou a tal ponto que aquele cuja vida, aparentemente, não é sobrecarregada e criminosa que, para bem dizer, é o menos malvado, passa por homem de bem; mas, como a glória é pequena! Para falar ingenuamente, como ela é falsa! Achamos que ele merece não ser considerado malvado, mas ele merece ser condenado. Não é suficiente não ter o hábito no vício; não devemos permanecer aí, é preciso ir adiante, é preciso ter o hábito na Virtude. Há diferença entre fazer o bem e não fazer o mal; a verdadeira estima consiste no primeiro e nunca poderá vir do outro. Como, para não fazer o mal, nós, no entanto, nos excusamos de não fazer mal, mesmo podendo fazer o bem, nós nos tornamos criminosos se não o fizermos. O louvor vem do bem e nunca poderá vir do mal. Ele deriva da Virtude como se fosse essa a sua fonte natural. Portanto, nos deve ser suficiente que nossas ações não nos engajem no arrependimento e não nos lancem condenações sobre nós. Devemos agir de tal modo que elas nos deem satisfação e mereçam aplausos. Mesmo que não nos tornemos bons pela prática do bem, há muito a dizer sobre a diferença entre fazer o que é bom e fazemo-nos bons nós mesmos. Não é suficiente fazer o bem. É preciso fazê-lo de tal sorte que ele peça para ser feito; é preciso sofrer com isso de tal modo sejamos obrigados a fazê-lo. A virtude, que é a regra de todas as coisas, está às vezes muito mais na maneira que nas coisas. Fazer o bem e não o fazer com a arte e o método que lhe são próprios é gastar com uma mão o que fazermos com a outra, é escrever com uma bela caligrafia e apagar o que se escreveu ao mesmo tempo em que se escreve. O bem cessa de ser bem se ele não é feito com as precauções convenientes e necessárias. Se, portanto, queremos fazer boas ações e as fazer precisamente, se queremos que nossa obra seja impecável e limpa, adquiramos pureza; pensemos que uma mancha aparece muito mais sobre uma veste real do que sobre um manto simples – na veste real, ela é muito mais suja e vil.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 291-294.

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