quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Terceiro meio - Capítulo IV

CAPÍTULO QUARTO
Portanto, trabalhemos seriamente numa obra de tamanha importância; não nos distraiamos de um labor tão necessário e glorioso. O espetáculo que estamos preparando não é para o mundo, é para o Céu. Somente nisso podemos dizer que estamos trabalhando para a eternidade; e nosso verdadeiro desígnio é agradar a Deus e não aos homens. Assim, não esperemos menor glória do que a de sermos louvados por ele [por Deus; ndt]. O Escultor executa sua obra com tanto cuidado porque ele sabe que, ao dá-la ao público, ele terá todos os Expectadores como Juízes, e que os defeitos que escapam aos olhos do povo não serão capazes de evitar a censura dos hábeis e dos inteligentes. Seremos menos cuidadosos conosco mesmos, tendo que aparecer diante de um Juiz, à vista de quem nada pode escapar, que conhece soberanamente o bem e o mal que nos fazemos, e que não receberá nossa obra se ela não estiver dentro do rigor e da justiça das regras que eles nos deu? Nada de nós lhe é mais agradável do que aquilo que é direito e legítimo. Só seríamos capazes de agradá-lo com uma sólida e real virtude. Ele, certamente, não é nada parecido com esse Júpiter indulgente dos Atenienses que se contentava com um sacrifício enganador e cujo culto mais verdadeiro era feito com falsas vítimas. Estejamos bem atentos de nada lhe oferecer de indigno de sua aprovação. Não seria uma extrema loucura querer nos apresentar a ele imperfeitos e incapacitados justamente da melhor de nossas partes, ou seja, incapacitados de nossa razão que é deixada definhando numa sonolência mortal que lhe arranca todas as forças de movimento e de ação para o bem, e a impede de produzir os efeitos que sejam dignos dela. Se somos capazes de abandonar livremente ao ferro um membro inútil e morto, que desonra o corpo e que só é um peso inútil para o corpo, seríamos tão covardes a ponto de sofrer esta miserável apatia que nos segura na realização de toda e qualquer ação virtuosa, que enfraquece e sufoca tanto o vigor de nossa alma a ponto de dizermos que ela fica como que morta na mais perfeita de suas operações? Ela torna inúteis para nós todas as vantagens da Razão; e tirando-a da ação, ela nos faz cair do mais alto nível e nos priva do mais nobre título que honra nossa condição; ela abole toda a grandeza e toda a glória do homem. Nesse estado infeliz, podemos, verdadeiramente, acreditar que usamos da Vida? Se nós a recebemos apenas para agir e agir razoavelmente, nós a passamos inteira na ociosidade; perdemos todo o tempo que deveria ser empregado para fazer o bem; não temos a vergonha de apodrecer numa preguiça tão infame. Para dizer bem claramente, não sofrer nada é não viver nada, é fazer da vida um espaço vazio e, por assim dizer, um eclipse. Somos tão ociosos que não poderíamos dizer razoavelmente se estamos vivos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 299-300.

Nenhum comentário:

Postar um comentário