CAPÍTULO OITAVO
Tendo dito isso tudo, fica claro que esse sofrimento é salutar, na medida em que, não sendo um mal, é a causa de um bem extremado; ele produz e estabelece a paz e a alegria do espírito. E eu vos pergunto que bem, por maior que seja, pode justamente ser comparado com a felicidade daquele que não sente nem incômodo nem remorsos? Alguém cuja consciência, podemos dizer, é um Teatro inocente e magnífico para as ações da Virtude. Alguém que é adornado com a pureza do seu coração como se fosse uma joia vinda do Céu, como se fosse um ornamento divino e conveniente a Deus. Que alegria pode se igualar àquela que resiste aos esforços da mais negra tristeza e que nenhum acontecimento estranho e funesto conseguiria suspender ou atrapalhar? Um Antigo, a este propósito, disse muito bem que os tormentos mais rudes e mais incômodos são apenas motivo para desprezo para aqueles cuja consciência não sofre com nenhuma recriminação; porque como não tem nenhuma diminuição para aquela a quem ela atormenta, sem dúvida, não há também nenhuma pena para aquele a quem ela justifica [no original latino, Nieremberg cita um certo “religiosus Theophanes”, o que parece se referia a Teófanes o Grego (c. 760 – 817), monge bizantino bastante cultuado na Igreja Ortodoxa; ndt]. Um não seria capaz de encontrar suporte ou defesa contra si; e o outro se encontra perfeitamente livre de dor e de apreensão. A consciência sã e sem recriminação é a mais alta vantagem de um homem de bem; é a primeira coroa da Virtude; é sua recompensa natural; é o maior ganho que podemos ter no comércio que temos com o mundo; e, para não mentir, poderíamos esperar proveito mais considerável e tirar uma usura melhor do sofrimento do que nos colocarmos na defesa contra o pecado, do que adquirir um perfeito repouso e comprar, por assim dizer, com um momento de pena, um século, uma eternidade de alegria? Pelo contrário, pode haver perda mais perigosa do que o ganho que se tem no mal? Visto que ele se faz ao preço da consciência. Não é exatamente a este respeito que o Sábio se refere quando diz que é preciso preferir a perda ao mau negócio? [No texto original, Nieremberg ser refere a um dos Sete Sábios da Grécia, nomeadamente a Quilón de Esparta, que viveu no século VI a.C.; ndt] Visto que uma só nos aflige uma única vez, enquanto que a outra nos faz sofrer sem cessar. Visto que, se não podemos desejar bens maiores do que a liberdade, pois todos os outros só nos tocam imperfeitamente sem ela, nós a possuímos eminentemente se formos isentos de temor; porque o que pode ser apreensivo para quem não é motivo de apreensão para si mesmo? Alguém, perguntando a Periandro [ao que tudo indica, trata-se de Periandro (?-583 a.C.) que foi o segundo tirano de Corinto; ndt] no que consistisse a liberdade, obteve como a resposta: na boa consciência. Outro, seguindo seu pensamento, disse que o homem de bem é aquele que parece menos viver pela vida que pela virtude, que não sente nenhuma guerra interior, quando luta contra seus inimigos; e que, trazendo um coração limpo e puro, é a feliz testemunha desta verdade: que a coragem é filha da inocência. Pelo contrário, eu vos pergunto, qual é o efeito do remorso? Ele nos abate, ele nos arranca o coração, ele nos confere a baixeza e a timidez dos escravos. E, para dizer a verdade, que alegria, ou apenas que segurança pode haver aquele que sofre em si mesmo um suplício contínuo, que tem serpentes no seio, que o fazem sofrer o tempo inteiro, que o pressionam e enchem de dor, e para quem o futuro paralisa de medo? Quem, para dizer em poucas palavras, está num abismo de males do qual ele só ousa esperar o fim de sua vida e para o qual ele não encontra nem remédio nem alívio?
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 289-291.
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