CAPÍTULO TRIGÉSIMO PRIMEIRO
Tudo isso, sem dúvida, é suficiente para justificar essa verdade, segundo a qual por mais maldosos e obstinados que seja os inimigos da Paciência, ela sempre consegue seus objetivos, ela os ultrapassa ou ganha deles. Seu poder foi muito bem reconhecido por esse sábio entre os Gregos que, vendo que achavam estranho que ele tenha feito um jovem sofrer, um jovem a quem queria tirar da corrupção e que chegou a impudência mesma de lhe cuspir na face, disse que ele imitava os pescadores que, para pegarem um peixe, não aprendem a se molhar [trata-se, no texto latino, de Sólon (683 a.C. - 558 a.C.), que foi um legislador, jurista e poeta grego. Foi considerado um dos sete sábios da Grécia antiga; ndt]. Eu não sei ao certo se ele pegou, mas eu sei muito bem que, dessa mesma maneira e com um uso feliz da rede, um Pescador Ilustre, da ordem daqueles a quem o Filho de Deus elevou à mais alta condição [refere-se à Companhia de Jesus; ndt] quando fez deles Pescadores de homens, Fernández, companheiro do grande Xavier [trata-se de Juan Fernández, irmão coadjutor, de quem não temos mais dados a não ser o fato de que acompanhou Francisco Xavier (1506-1552) a Goa, em 1549; ndt] na conversão do novo mundo, tomou um Reino inteiro. Um dia, ele estava pregando em público, quando um infiel que vinha passando tomou barro e, por desprezo, lançou-o em seu rosto, ele, de seu lado, não se perturbou em nada, enquanto que o infiel tão logo virou o rosto em direção ao pregador foi surpreendido por seu olhar de um homem de bem, que lança sem relâmpagos ou tempestade raios de ira poderosos que confundem os malvados; e tendo se limpado sem se interromper, ele prosseguiu seu discurso, como se fosse necessário falar depois de uma ação tão eloquente, como se aquilo que tivesse a dizer pudesse valer mais do que aquilo que havia feito. Um exemplo tão raro de paciência enchia a assistência de admiração e os preparava para receber a verdade que, até aquele momento, eles tinham rejeitado obstinadamente. Ele os incitou a um santo desejo de se instruírem numa tão divina Filosofia, e os submeteu absolutamente àquele a quem eles só haviam despejado injúrias e desprezo. Isso tudo para mostrar o quão verdadeiro é o fato de que é mais seguro ganhar os mais rebeldes e os mais obstinados pela paciência, que é a mais adequada maneira e a via mais curta de conseguir esse objetivo. A malícia não é nunca vencida pela malícia, mas pela bondade, disse razoavelmente um Antigo [no texto latino, Nieremberg se refere a São Pimênio que viveu entre os séculos III e IV, foi presbítero e mártir; ndt]. É através disso, sem dúvida, que devemos vencê-la. Mas, se podemos vencer o vício pelo vício, por que seríamos tão injustos de não reservar essa glória à virtude? Foi também através desse excelente meio, a Paciência, que esse generoso Cristão Japonês triunfou sobre seu inimigo. Bem longe de se vingar do seu inimigo, como ele poderia tão facilmente fazer, não lhe sendo inferior nem em força nem em coragem, quis evitar todas as ocasiões, se colocando sempre em prontidão para se retirar, chegando mesmo ao ponto de se trancar num lugar particular para não chegar nem mesmo a ofendê-lo com sua simples presença [não encontramos, no texto latino, referências acerca do nome desse “Cristão Japonês”; ndt]. A Paciência tem bons ombros, mas não tem mão alguma; ela sabe sofrer o mal, mas ela não é capaz de ser a causa de sofrimento para quem quer que seja. Como ele percebeu seu inimigo se aproximando fortuitamente de sua prisão, ele saiu e correu para abraçá-lo, culpando-se de tudo aquilo que havia acontecido entre eles e dizendo que ele [o inimigo; ndt] era inocente, dizendo que havia cometido um crime ao deixar espaço para a cólera contra outra pessoa dentro de si e não se contentando em lhe pedir perdão; ele o levou até à sua casa e lhe encheu de bons tratos e de favores. Disso, devemos aprender que a Paciência é um raro instrumento para operar a felicidade e, para bem dizer, ela traz a paz para os outros. Visto que ela frutifica tão felizmente no terreiro dos outros, imagine-se o que ela não é capaz de fazer no seu próprio terreiro! Visto que ela não apenas corrige nossos vícios, mas também os vícios dos outros, imagine-se que maravilhoso progresso ela é capaz de nos ajudar a fazer no caminho da Virtude!
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 270-272.
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