sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quinto meio - Capítulo VI

CAPÍTULO VI
Portanto, o que pensamos estar fazendo ao nos subtrairmos de uma paixão, ajuntando-nos a outra? Dessa forma, subtraímos de nós a satisfação e a alegria, reforçamos um novo inimigo para fazê-lo ainda mais corajosamente revoltado contra a Razão. Assim como um Estado é mais tranquilo quando os Grandes são medianamente poderosos e a autoridade se encontra partilhada igualmente entre eles – muito mais do que quando a autoridade se encontra toda nas mãos de um só homem, que abusa dela e aspira verdadeiramente à Tirania –, o perigo é muito menor para nós quando deixamos um poder medíocre e igual a nossas paixões, mais do que quando deixamos que uma se eleve acima das outras, reinando sozinha em nosso espírito, se atribuindo inteiramente a soberana potência da Razão. Dessa forma – quando elas [as paixões; ndt] dominam igualmente –, ela está, de alguma forma, segura; pois, por mais que elas sempre a enfrentem, elas também se enfrentam mutuamente e, sendo que nunca estão de acordo entre si, elas a mantêm segura de sua insolência por causa de sua divisão; mas, se uma delas, usurpando o poder de todas as demais, e unificando em si todas as suas forças, viesse a lhes declarar guerra, não tenhamos dúvida de que será muito fácil tirá-la [a Razão; ndt] de seu trono e arruiná-la completamente. Por isso, é necessário que não nos contentemos apenas de afastar de nós uma parte da cobiça; é preciso afastá-la inteiramente; de outro modo, ela retornará como um animal selvagem que se irrita quando está ferido e redobra de furor na mesma medida em que diminui o seu sangue. Que tenta matar uma Serpente pisando apenas em seu rabo, corre muito mais risco de ser picado. Para impedir a mordida, é preciso que a mantenhamos inteira sob nossos pés e pisar sobre a sua cabeça. O meio infalível para vencer nossas paixões é opor-lhes o escudo da virtude, que é impenetrável, que desdenha dos seus mais poderosos esforços e, contra quem, para tudo dizer, elas só conseguem mostrar sua fragilidade. Pelo contrário, a Virtude é tão poderosa, ela tem tanta força que é suficiente combater uma [das paixões; ndt] para vencê-las todas. Servirmo-nos de nossa cobiça para apaziguar ela mesma é animá-la ainda mais, é reduzi-la a agir como o Leão que bate em si mesmo com a própria cauda para se colocar em cólera. Certos povos da Antiquidade apreenderam do Oráculo que, por pouco que eles partilhassem sua terra com alguém, eles a perderiam toda [no original latino, Nieremberg escreve: “Aeneanes sibi ex oraculo persuadebant, fore, ut amitterent patriam terram, si particulam largirentur...”. Trata-se portanto da tribo dos Eneanes que habitou o norte da Tessália, na Grécia; ndt]. Um Oráculo de infalível verdade – a Razão – nos assegura de nossa total perda, por pouco que relaxemos no combate à cobiça, ou que sejamos indulgentes com nossas paixões. Pelo fato de elas, algumas vezes, nos deixarem repousar, pensamos que elas nunca dormem profundamente; mas certamente que elas estão apenas cochilando e acordam com o menor barulho. Fazemos bem em tratá-las com desprezo e afastá-las de nós; pois elas sempre retornam; é como tentar afastar um cachorro com pedaços de carne; é como tentar mostrar nosso desprezo por avaro com o ouro. Para conseguirmos uma inteira segurança, é preciso usar de um extremo rigor, apagar toda a geração, não perdoar uma que seja, temendo-as como se fossem um germe fatal que produzem outros para se vingar de nós e nos façam um mal semelhante ou muito pior do que o que lhes fizermos eliminando-os.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 329-331.

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