sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Segundo meio - Capítulo VI

CAPÍTULO SEXTO
Assim como não há remédio mais soberano contra os males que recebemos da Fortuna do que suportá-los com constância, assim também não há defesa mais segura contra os ataques que a consciência poderia nos fazer do que rejeitar corajosamente tudo aquilo que é contrário à virtude,  não admitir de forma alguma qualquer mal que seja dentro de nós, opor todas as nossas defesas contra as suas aproximações. Não há meio mais seguro e fácil para vencer a Fortuna do que sofrer suas injúrias; não há forma mais excelente de se preservar dos ataques da consciência do que não sofrer nada e nada fazer do que seja capaz de os excitar. A única coisa necessária é não se deixar excitar por aquilo que a Fortuna faz contra nós, a fim de torná-la absolutamente impotente quanto ao que diz respeito à nossa ruína. Pelo contrário, é preciso condenar com rigor tudo aquilo que pode nos trazer remorso, a fim de adquirir uma calma perpétua em nossa consciência. Os meios que a Fortuna emprega para nos causar um mal são conhecidos por nós; só a origem que nos é escondida e, por isso, é-nos tão difícil evitá-los e nos prevenirmos deles. Porém, é muito fácil para nós nos abstermos das coisas que podem nos causar arrependimento, pois isso depende unicamente de nós; e, para que ajamos mal, não é preciso movimento algum de outros, mas apenas nossos. Portanto, é preciso que nos previnamos, visto que não somente conhecemos suas causas, como também sabemos que elas estão em nós; e, por uma vergonha antecipada, evitemos aquilo que não é honesto, para que não ressintamos a aflição. Assim, nunca teremos remorsos. O que nos serve contra a Fortuna vem antes dos males; mas o que nos protege dos atentados da consciência nos previne deles [dos males; ndt]. O primeiro é um remédio e outro é um antídoto. É um feliz obstáculo que os impede de chegar. A dor que nos vem de uma má ação pode muito bem se levantar contra ela mesma e se tornar uma justa indignação contra a injustiça da Fortuna; mas aquele que procede de uma ação viciosa deve permanecer do rebaixamento e, por uma timidez saudável, não deve nunca ter a segurança de se levantar. Assim como a alegria e a tranquilidade do espírito são os frutos e os ornamentos necessários da inocência, o desprazer a vergonha de ter falhado são as flores e os sinais mais certos da mesma inocência. O pudor é a infância da Virtude; e sendo assim evitemos ao máximo abafar o lamento que vem do pecado, visto que será ele mesmo que irá destruir o pecado – por um parricídio legítimo e feliz, esse filho mata o pai. A Providência, de quem cada efeito é uma maravilha, quis para o bem do mundo que os animais malignos que não estão na ordem dos produtos ordinários da Natureza e aqueles que parecem ter nascido apenas para a ruína de outros, fossem estéreis ou que só fossem fecundos para a própria infelicidade. Ela quis que as coisas nocivas e malfeitoras não tivessem escapatória ou que não pudessem escapar por muito tempo. Assim, as mulas são infecundas para que os monstros não se multiplicassem; as víboras só produzem para sua própria destruição. Nisso, elas são verdadeiramente mães felizes, visto que são mães de sua própria morte. Certamente que, como elas recebem a morte de seus próprios filhos, o lamento que nasce do pecado faz morrer o pecado mesmo e, consequentemente, é bastante justo que deixemos viver esse favorável destruído dos males. Assim, não devemos impedir seu nascimento, mas o nascimento daquilo que o produz. Não é preciso nos defender do lamento após a falta, mas nos defender da falta mesma. 

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 284-287.

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