sábado, 30 de outubro de 2010

Quinto meio - Capítulo VII

CAPÍTULO VII
Este conselho se justifica por um memorável exemplo que a história do Japão nos apresenta nesse encontro: duas das mais Ilustres casas [no sentido de “família”; ndt] do Reino, tendo nutrido por muito tempo um ódio mortal uma pela outra, tendo partilhado todos os Grandes, tendo feito todo o povo se interessar por sua querela e tendo, em seguido, produzido todo tipo de estranheza que possa haver entre inimigos igualmente obstinados e poderosos, no final, houve uma que foi abatida pelo fardo da guerra e a desolação foi tamanha que o furor das armas só perdoou a uma criança. Quando ele chegou ao ponto de poder se vingar tal como a Natureza o inspirava, ele se proveu de armas e da amigos, ele arruinou de cima a baixo a outra família; e instruído pela graça que havia recebido a não ter piedade de ninguém, ele agiu até ao último dos rigores, não respeitando nem sexo nem idade. Ele sabia, pela própria experiência, que a vida de um só seria suficiente para vingar a morte de muitos. Nosso espírito é dominado por duas grandes potências que sempre estão em guerra – pela Virtude e pelo Vício. Se, segundo o dever e a obrigação que temos, tomarmos a parte da primeira, sofreremos constantemente com ela no sentido de exterminar seus inimigos; se nos acontecer de deixar um único desses inimigos, não tenhamos dúvidas de que deixaremos com ela a causa de nossa ruína e de que, um dia, vindo a se fortalecer com nossa malignidade natural, não apenas ele não se contentará em destruir muitas virtudes, como também as destruirá todas em geral. Pudemos aprender da história Santa aquilo que aconteceu a Atalia [Atalia é uma personagem da narrativa bíblica do Antigo Testamento. Filha de Acabe - que foi Rei de Israel - e de Jezabel. Segundo os relatos (basicamente dispersos no segundo livro dos Reis e no segundo livro das Crônicas), Atalia se casou com Jorão – do Reino de Judá – e se tornou regente por seis anos, sendo sucedida por seu filho, Ocozias. Não há muita certeza, mas, segundo algumas cronologias, a regência de Atalia se deu entre 842 e 837 a.C.; ndt]: esta ambiciosa Rainha acreditava ter extinguido todo o sangue Real de Israel e, com isso, acreditava que poderia usurpar o cetro para levá-lo aos Reis de Judá. Mas como o pequeno Joás [Segundo o relato de II Reis (capítulo 11) e II Crônicas (capítulo 22), Atalia mandou assassinar todos os membros da Casa de Davi e assumiu o trono de Judá. Mas, Josebá, filha de Jorão, conseguiu esconder Joás, filho de seu irmão Ocozias, quando ainda tinha um ano de idade. Joás foi, então, criado pelo Sumo Sacerdote Jojada e por sua esposa, no Templo de Jerusalém, enquanto durou a regêcia de Atalia; ndt], que havia sido subtraído ao seu furor, foi secretamente alimentado no templo e, algum tempo antes de ser apresentado ao povo – que o reconheceu como legítimo sucessor do trono –, ele se levantou contra ela e lhe arrancou o Reino e a vida ao mesmo tempo. Que vantagem pode haver para nós que permaneça uma paixão que seja em nosso espírito, se ela for capaz de restabelecer nele o domínio de todas as outras? E se nos for necessário apenas uma para que nos tornemos infelizes? O que aproveitamos do fato de termos que combater menos inimigos, se eles são mais fortes do que aqueles que nós já vencemos, e se basta um para que nos sejam roubados todos os frutos de nossa vitória? Do que nos serve dizer que eles são tão poucos, se eles são, dessa forma, mais perigosos; se eles têm a força de uma multidão; e se o pequeno número é recompensado pelo extremo valor?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 331-333.

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