sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quinto meio - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
Por isso, é muito importante que se conheça aquilo que distingue as virtudes dos vícios, estudar cuidadosamente suas diferenças, a fim de se evitar o precipício onde esse descontentamento nos pode fazer cair. É preciso que cuidemos de não nos deixar surpreender por tão perigosos inimigos, mas combatê-los corajosamente e trabalhar com toda a nossa capacidade para arruiná-los completamente. Que, nisso, nós nos lembremos dos habitantes de Amicleia [antiga cidade vizinha de Esparta, nas margens do Erotas; ndt] que, para serem bem exatos na observância dos dogmas de Pitágoras [trata-se de Pitágoras de Samos (c. 570 a.C. – c. 497 a.C.), filósofo e matemático grego; ndt] – segundo os quais a morte dos animais lhes era proibida –, não matavam nem mesmo as Serpentes que se multiplicavam em seus terreiros e, por isso, foram de tal forma perseguidos por elas que sua cidade foi desolada. Se, expulsando de nosso espírito uma má paixão, admitimos e sofremos outra; se, arrancando o jugo de uma, submetemo-nos à tirania de outra; eu vos pergunto: o que estamos fazendo senão nos colocarmos sob o risco de ver que o último acréscimo de ousadia e de força, por causa nossa indulgência, seja  capaz de permitir que [essa má paixão; ndt] sozinha cause nossa perda e faça aquilo que todas as outras juntas fariam? Se, às vezes, acreditamos que elas relaxam, que elas amolecem; se nós as governamos por um pouco de tempo como se fossem animais domésticos; não nos sintamos seguros nisso, porém; pois elas são selvagens e ferozes; elas se nos escaparão quando menos esperarmos e se voltarão contra nós como verdadeiramente são na natureza. Um Saltimbanco, tendo treinado alguns Macacos, os apresentou, um dia, em público; como eles estavam dançando, alguém lhes atirou algumas nozes; então, eles pararam sua dança e correram atrás das nozes, criando uma grande desordem. Às vezes, nossas paixões se tornam flexíveis e obedientes, até ao ponto mesmo de escutar a Razão e seguir o movimento que ela lhes ordena; mas, como elas não são capazes de se fantasiar e se contrariar por muito tempo, elas acabam por se corromper facilmente e correm atrás do primeiro objeto que lhes toca, perturbando a paz e a tranquilidade do espírito.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 326-327.

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