CAPÍTULO II
Sem dúvida, aquilo que serve a um fim segue, necessariamente, sua condição; e seria depravado se fosse perverso e desordenado. Esta verdade se justifica pela conformidade e pela relação entre o entendimento e a ciência, pelo abuso que causam nessa as desordens daquela. Certamente também que foi a bom direito que o Apóstolo São Tiago, considerando os maus usos nos quais ela [a ciência; ndt] se aplica, a chama material e terrestre, quando ela se abaixa e se profana até ao ponto de servir às Volúpias sensuais; ele não finge ao dizer que ela é diabólica que abraça o luxo e se abandona à vaidade. Como a agulha da bússola gira em direção ao Norte, no lado em que ele a tocou; o entendimento também se dirige para a Vontade, atingido pelo seu contágio. Todos os objetos parecem, aos olhos do Ictérico [acometido de icterícia; ndt], ter a cor de seus olhos [a icterícia é uma doença cuja característica mais marcante é a cor amarela da pele e da esclerótica; ndt]. Alguém, muito sabiamente, disse que, quando não há ninguém a quem se possa pedir um conselho, e quando se está destinado a dá-lo a si mesmo, é preciso, sobretudo, escolher purificado das paixões; pois, sem dúvida, não há nada mais contrário à luz do entendimento do que a cobiça, não há nada que a obscureça mais e que, por essa razão, a torna mais inútil. E, verdadeiramente, que segurança poderemos ter nisso, sabendo – como sabemos – que ela é cega? E que espetáculo não ofereceríamos ao, não querendo nos desviar do caminho e não nos perdermos, seguirmos um guia que não conhece os caminhos, que, ordinariamente, faz com que se percam todos aqueles que o seguem? A experiência ensina, todos os dias, àqueles que governam grandes máquinas, que um ligeiro inconveniente, uma sujeirinha de nada, uma poeirinha, pode fazê-las parar e cair em desordem; por menor que seja a ferrugem nos dentes da engrenagem-mãe de um relógio, ela é capaz de fazê-lo atrasar e parar todo o movimento. Não tenhamos dúvida de que, se a vontade não estiver pura e imaculada, e não tiver o mínimo de impedimentos, ela não será capaz de permitir livre ação à nossa alegria; é preciso que ela possa agir sem dificuldades naquilo que mais lhe agrada, na medida em que for legítimo e que ela se conforme à razão.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 318-319.
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