CAPÍTULO NONO
Esta diligência proposta exige, além de uma poda constante dos afetos que brotam como fruto da Fortuna, uma capina cuidadosa: Blandior ad falcem messor perducit aristas, / si rastris segetem pectere continuet [em latim no original italiano, citando um texto de Magno Félix Enódio (474-521) que pode ser traduzido assim: Elogia a foice do ceifeiro que leva as espigas, se ele continua com seu rastelo cultivando o campo; ndt]. A natureza, na infância e na puberdade, cultiva suas plantas e dobras as que quer. Enódio diz com doçura: Exprimit in spicas tellus iam facta papillas / Lacte maritatis turgida cespitibus. / Stringitur in prolem sparsus per gramina succus, / De guttis faciens progeniem solidam. / Vestitus gemmis, praetendit brachia palmes / De gremio ligni pampinus ecce viret. / Iussa per augmentum nunc sylvam prodere vitis, / Frugibus ut crescat vulnera conciliat. / Evocat, inquirit gaudens infantia Mundi / Nutricem tepidi quam dedit aura poli. / Ludit per faciem camporum rustica pubes, / Respiciens duri dulce laboris onus [trata-se da sequência do mesmo poema de onde foi extraída o verso citado anteriormente; ndt]. Tende medo do naufrágio da razão quando já forem adultos [os afetos desordenados, as paixões; ndt]; inchados e orgulhosos os afetos sopram mais forte e tu não serás capaz de detê-los ou a ti mesmo; da mesma maneira que nem mesmo o Marinheiro experiente consegue segurar os sopros impetuosos do irritado vento do norte, nem tampouco tirar o navio com segurança da procela. Há, porém, esta diferença: lisonjeiro e suave comandante não pode amarrar os ventos mais impetuosos, que doravante não podem mais se exasperar; o mar calmo e amansado não pode segurar os ventos desenfreados para que não afundem o navio, não pode segurar dentro de suas barreiras o tufão, não pode mitigar as ondas da raiva que se batem até mesmo contra as rochas. A nós é permitido, no Céu sereno e tranquilo, manter distanciadas as nuvens prenhes de tempestade; na mesma tranquilidade, nos é permitido dissipar a procela, zombar dos turbilhões, escapar dos fulgores, não temer os dilúvios ameaçadores das nuvens de chuva, as concupiscências – eu digo –, monstros da natureza [no original latino, Nieremberg, antes de falar das cobiças (cupiditates), elenca uma série de monstros da natureza, com os quais pretende comparar os afetos desordenados, as concupiscências; ndt]. Tu reputarias como muito feliz a arte do Marinheiro que conseguisse segurar, com suas próprias forças, os ventos e, com seu arbítrio, as ondas. Tu navegarias calmo e com segurança, se o Piloto fosse Éolo [trata-se do deus dos ventos; ndt] ou Netuno [o deus dos mares; ndt], guiando o barco da forma como tu quisesses. Mas, são piores os ventos do coração. Se oprimirdes, logo que nascerem, os primeiros ventos, se dissipardes a primeira fumaça da concupiscência, tu serás, para ti mesmo, Éolo dos afetos: serás capaz de acalmar as ondas tumultuosas da tua Fortuna e de ser imune a qualquer naufrágio. Se a paixão for submergida, a razão não o será.
NIEREMBERGH, Giovani Eusebio. Dell'Arte per ben reggere la volontà, insegnata da Padre Gio: Eusebio Nierembergh della Compagnia di Giesu, Libri Sei, Trasportati dalla Latina nella Lingua Italiana. All'Illustrissimo e Reverendissimo Signore Monsignore Daniello Delfino, Vescovo di Filadelfia, & Eletto Patriarca d'Aquileia (Gabriello Baba, Trad.). Venezia: Nicolò Pezzana, 1669, pp. 382-383.
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