segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXVIII

CAPÍTULO VIGÉSIMO OITAVO
Ele foi tão razoável ao expressar esse sentimento quanto é certo que a grandeza mesma de Deus não consiste em não sofrer, mesmo que, para bem dizer, ele seja soberanamente isento de tudo aquilo que causa pena; e tanto é verdade que lhe é próprio não agir  e que se trata de algo que não é digno da perfeição de seu ser, que, pelo contrário, ele elevou o mérito do sofrimento em sua pessoa; ele quis nos obrigar ao sofrimento por seu próprio exemplo; e é o que esse Filósofo que pensava tão mal da Divindade a ponto de representá-la sem ação se confundiu ao tentar estabelecer na ociosidade sua suprema beatitude e de não ter sabido que ela [a suprema beatitude de Deus; ndt] extrai infinitamente mais glória do sofrimento do que do repouso [no original latino, Nieremberg se refere a Hermógenes, que viveu nos séculos V e IV a.C. Segundo Diógenes Laércio, Hermógenes foi professor de Platão; ndt]. Assim, verdadeiramente, em meio a essas três sublimes vantagens que, entre uma infinidade de outras, podemos considerar em Deus – de contemplar a beleza do Mundo, de a possuir e de a ter feito – esta última é a maior, sem dúvida; e podemos dizer que não há outra coisa que componha mais solidamente sua satisfação. É disso que os homens devem aprender que sua honra é a mais eminente, como também é a sua mais necessária obrigação: trabalhar e sofrer. E, para falar de forma sã, não parece verdade, por isso mesmo, que Deus, depois de ter feito como uma experimentação de sua arte, numa matéria menos preciosa do que aquela da qual ele quis fazer sua obra prima, tenha empregado seu poder e toda a sua indústria no fazer o homem, quer dizer, fazer sua própria imagem? Para dar o ser aos animais e ao resto das criaturas, foi-lhe suficiente querer que eles fossem; ele acreditou que a sua simples ordem poderia valer todos os seus cuidados. Mas, a dignidade da obra que deveria levar o seu caráter – parecendo-lhe muito grande para que não se obrigasse a colocar as próprias mãos – ele quis formar com toda a atenção e toda a exatidão que os grandes Escultores e os excelentes Pintores têm ao formar suas Estátuas e para terminar seus quadros. Tendo se contentado em fazer o resto das coisas pela sua palavra, ele fez o homem com suas próprias mãos; e esta divina obra que ele julgou a única digna dos últimos esforços de sua arte, mereceu não ser feita com cerimônia, e ser consagrada, pela pompa e pela magnificência do sofrimento, para a soberana beatitude e para a semelhança com seu autor. Assim, o homem é instruído acerca das condições através das quais ele recebe a Vida, antes mesmo de a receber; tão logo ele chega ao Mundo, ele aprende que deve sofrer; e a ociosidade é banida dele antes mesmo de ser admitida. Ele aprende que é destinado ao sofrimento pela maneira com a qual a vida lhe foi inspirada, visto que foi com esforço; e de tal maneira que parece que a dificuldade com a qual Deus tentou formá-lo do limo da terra, colocando-o sem respiração, ele fez com que o homem recuperasse a respiração, dando-lhe o sopro. Todos os outros animais foram instruídos e votados à servidão pela forma como foram criados; o homem, pelo contrário, recebeu na sua criação o título e, por assim dizer, a investidura do poder absoluto de comandar a todos os animais e foi, em seguida, acometido da pena. Deus o fez sofrendo a fim de lhe imprimir o amor de uma condição ligada a seu nascimento; e como que para se dar uma obrigação de o amar tanto mais fortemente, ele custou mais a fazê-lo. Assim, certamente, são as obras que, para serem perfeitas, custam-nos mais sofrimento, mais cuidado, e são, por isso, aquelas pelas quais temos mais amor.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 265-267.

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