sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXVI

CAPÍTULO VIGÉSIMO SEXTO
Não somos tão infelizes, e podemos nos gloriar de termos sido tratados, nesse sentido, com toda sorte de vantagens. Certamente, é-nos necessário algo mais do que um mal para nos curar de todos os nossos males. Não precisamos absolutamente esperar este bem da morte, sendo que ela é tida universalmente como um mal, mesmo pelas pessoas de bem, mesmo que, para elas, para dizer de forma bem saudável, ela não seja um mal de forma alguma, e só o seja para as pessoas más, visto que ela os leva ao ponto fatal que é reservado ao castigo por seus crimes. Qual seria, então, esse raro e geral remédio contra nossos males? É justamente aquele que age mesmo contra a morte, aquele que, por uma prerrogativa singular, tendo conservado sempre seu império, nunca passou, mesmo entre os mais injustos, por uma má escolha. Em uma palavra, é a Paciência que, por mais falsa e deformada que tenha sido, teve a vantagem de se fazer louvar; grande é a excelência desta virtude, de ter conseguido adquirir a estima para o vício que teve algum relacionamento ou alguma semelhança com ela. Que honras ela não faz merecer a quem a possui verdadeiramente? Sua glória, tão universalmente reconhecida, precisaria ainda de algum testemunho particular? Escutemos esse Grego que a nomeou o único remédio contra a morte e elevemos, em seguida, sua dignidade por seus legítimos títulos [no original latino, Nieremberg, após citar Sêneca, Dion Crisóstomo, Filón de Alexandria, cita Boécio – “... calamitosorum sacrum, ut restituam quoque, quod Boetius morti usurpavit. Hoc patens unum miseris Asylum”. Não resta dúvida, portanto, sobre a que grego o tradutor estará se referindo, pois da lista de nomes citados no texto latino, o único grego é Dion Crisóstomo (c. 40 – c. 120), que foi filósofo e escritor de origem grega, mas que viveu no período da dominação romana; ndt]. A Paciência é o soberano antídoto contra os males, o Médico daqueles cuja cura é deplorada, o último em ordem, mas o primeiro em dignidadde, o verdadeiro Esculápio que nos concede uma saúde perfeita. Ela é o lenitivo das mais violentas dores do espírito; o charme inocente dos mais insuportáveis problemas; e a fim de lhe devolver aquilo que um Filósofo lhe roubou para dar à morte, ela é o asilo comum dos infelizes [trata-se, nesse caso, de Anício Mânlio Torquato Severino Boécio (c. 480 – c. 525), filósofo, estadista e teólogo romano que traduziu Aristóteles para o latim e é considerado um dos Padres da Igreja, sendo inclusive considerado mártir; ndt]. Não lhe sejamos mais injustos do que a inveja mesma foi com a Fortuna; mas não nos esqueçamos de dizer que a excelência desse remédio cresce pela sua facilidade mesma; ao praticá-lo, não teremos necessidade nem das raridades que vêm do novo mundo para o uso da medicina, nem das produções que a natureza faz nas entranhas da terra, nem do suco de ervas e de raízes, nem do sangue ou da gordura dos animais; eu ousaria mesmo dizer que não teremos necessidade nem mesmo daquilo que há de mais fácil, que é fazer votos e pedidos. No lugar de todos esses remédios, nos será suficiente aquele que temos nas mãos, e que encontraremos preparados para vencer todas as doenças. A Paciência é um Médico que acorre tão logo a chamemos; ela nunca se faz de surda, como a Morte, nem ridiculariza aqueles que a imploram; ela é tão favorável que vem ao nosso encontro ainda mais rápido do que o mal.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 260-262.

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