segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXV

CAPÍTULO VIGÉSIMO QUINTO
É, portanto, sofrendo que se adquire a glória da verdadeira constância, visto que é onde ela age mais nobremente e onde ela realiza mais esforços. Jó e Tobias [Tobit, como dissemos no capítulo precedente; ndt] nos foram dados como os dois mais excelentes exemplos dessa virtude. E é tanto mais razoável nos propormos imitá-los do que ser, como eles foram, tão somente feridos constantemente pela Fortuna; ou tanto mais é razoável imitá-los do que a pessoas que devem o máximo de consolação a suas desgraças, já que eles fizeram brilhar sua paciência em sua miséria, eles não a macularam em nada pela covardia de buscar um remédio [para o sofrimento e para a miséria; ndt] na morte. Há também o tipo de constância cujo exemplo nos foi suficientemente representado na pessoa de Abel, em quem Deus, por um raro e maravilhoso segredo seja de sua bondade que de sua sabedoria, quis  que a Morte, que ainda tinha todas as suas armas, provasse pela primeira vez o inocente, a fim de que, encontrando nisso a paciência, como um duro e poderoso adversário, e realizando contra ela os mais grandes esforços, ela acabasse por amortecer a ponta de sua lança fatal com a qual ela luta contra os homens; e fosse, depois disso, tanto menos perigosa como se estivesse desarmada e tivesse menos com o que ferir. Assim, o inocente Abel a tendo sofrido num momento em que a sua juventude a tornava ainda mais naturalmente assustadora, nos foi proposto para que pudéssemos aprender a sofrer e para que pudéssemos encontrar, na imitação de sua paciência, o soberano temperamento daquilo que ainda permaneceu de amargura. Mas como a experiência nos fez conhecer, em seguida, há dois males piores do que a morte: a vida viciosa, para aqueles que fazem profissão da Virtude; e a vida infeliz, para aqueles a quem a Fortuna persegue. Como os primeiros creem que vale mais a pena morrer que viver na imundície do vício; e os outros desejam a morte por imaginá-la menos dura do que sua miséria; o mundo teve necessidade de dois exemplos para se instruir no sofrimento da Vida. E Jó e Tobias [Tobit; ndt] nos foram tanto mais justamente dados por causa disso, porque eles preferiram  sofrer uma miséria pior do que a morte a cometer a covardia de se livrarem à morte mesma. Eles se conservaram puros e sem mancha sofrendo-a com constância; e nos ensinaram, pela prática da Paciência, qual é o soberano remédio para todas as enfermidades; eles convenceram o vulgo do erro e, com ele, o Poeta Trágico que escreveu esse louvor à morte, não se lembrando de nomeá-la o maior de todos os males [no original latino, Nieremberg se refere a Eurípedes (c. 485 a.C. – 406 a.C.), que é considerado o último dos três grandes poetas trágicos da antiquidade, junto com Ésquilo e Sófocles; ndt]. Mas, como ela pode ser o remédio se ela não pode ser contra ela mesma? E não seria muito estranho que seu único remédio fosse o pior de todos os males? Ésquilo [(c. 525 a.C. – 455 a.C.); ndt], depois de Eurípedes, não teve nenhum constrangimento em nomeá-la o Médico dos males incuráveis; e Sófocles [(c. 497 a.C. – c. 406 a.C.); ndt] não caiu num erro menor ao nomeá-la o último Médico das doenças, visto ser ela mesma uma doença da qual não se pode escapar. Mas, um e outro acreditou que, segundo o método ordinário dos Médicos, a cura de nossos males se devia fazer com remédios mais amargos e mais violentos do que os males mesmos. Certamente seria comprar a um preço muito alto a cura, pagando com a própria vida. A morte carrega muito mais frequentemente os males do que qualquer outro remédio; mas ela é sempre cheia de amargura. E um Cômico, a quem Eurípedes subscreveu sem dificuldade [no original latino, não há referência ao nome desse “Cômico”; ndt], disse que por mais miserável que seja a vida, ela vale mais do que uma boa morte. Será que não seremos capazes de avaliar, depois disso, que nossa condição seria extremamente infeliz se não tivéssemos antídotos para todos os males, ou se vivêssemos apenas essa cruel necessidade de só conseguir nos curar através de um mal tão grande quanto a doença, de forma a deixar sempre algum mal para o qual não há remédio, tornando a vida assim matéria para dor e desespero?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 257-260.

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