quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO SEGUNDO
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MEIOS infalíveis para adquirir a felicidade.
PRIMEIRO MEIO
PELA prática da Paciência e da moderação

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, chegou o momento de retornar ao nosso tema principal; é preciso que nos recoloquemos inteiramente na obra. Aqueles que batem a marreta na bigorna sabem que nem todos os golpes são justos e firmes; há muitos que caem fora, muitos que batem em falso; e para dar alguns bons golpes muitos são golpeados inutilmente. Voltemos, então, aos meios para estabelecer solidamente o repouso de nossa Vontade; dediquemo-nos a torná-la firme e constante e, consequentemente, feliz. Importa, para esse fim, retornar sobre as coisas que foram simplesmente esboçadas, nos apoiar sobre aquelas coisas sobre as quais tocamos ligeiramente, terminar nosso rascunho e nosso esboço. Verdadeiramente é nossa intenção corrigir os defeitos do homem; nosso objetivo principal é instrui-lo; mas gostaríamos mesmo é de refazê-lo inteiramente; teríamos mais satisfação no formá-lo outra vez. A Arte que mostra como se vive bem não é nem complicada nem longa; o difícil é menos aprendê-la do que se aplicar a ela, e a afeição é mais necessária do que a memória. Não há nada que seja menos difícil de adquirir do que a ciência de fazer o bem, desde que se estude aquela que ensina a esquecer o mal; aquela é, sem dúvida, a mais difícil, bem como a mais necessária de todas. Passaremos, em seguida, a dois preceitos cujo conhecimento e prática nos colocarão seguramente no caminho que leva para onde desejamos ir; arranjaremos dois meios infalíveis para estabelecer com firmeza nosso repouso, a Moderação e a Paciência. Na medida em que as deixarmos presidirem  nossa conduta e as admitamos no governo de nosso espírito, não deixaremos mais de ser felizes; seremos instruídos pela primeira a nos conter na prosperidade, e aprenderemos da outra a sofrer constantemente a miséria. Assim, aquela agindo como um freio e esta como uma espora, farão com que pratiquemos a habilidade com a qual chegaremos à meta montados em um cavalo desobediente e suscetível. Obrigaremos a nós mesmos a atravessar o mal caminho, a ultrapassar as coisas que nos parecem difíceis, a desprezar, a pisar com os pés aquilo que nos causa medo, aquilo que nos retém e nos impede de avançar no caminho da Virtude. Nossa paciência no mal produz nossa moderação no bem. É difícil dizer qual das duas prevalece sobre a outra, mas é bem certo que é preciso fazer igualmente essas duas coisas: sofrer muito e desejar pouco. Esta última está inteiramente em nosso poder. Qualquer que seja a grandeza daquilo que a Fortuna nos causa, sem dúvida nenhuma não conseguirá se igualar ao Império que a Paciência nos dá sobre ela [a Fortuna; ndt]. E julguemos se não é justamente que esta excelente e rara virtude está em primeiro lugar entre todas as demais, visto que não há nada de tão difícil que ela não seja capaz de ultrapassar e que, sozinha, e sem armas, ela alcance, ela triunfe, sobre o furor e a potência dos homens armados.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 203-205.

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