CAPÍTULO DÉCIMO QUINTO
Acostumemo-nos, portanto, com os sofrimentos, tornemo-los familiares a nós, visto que este é o meio infalível para que eles se tornem fáceis para nós. Imitemos o soldado para quem as constantes escaramuças formam a coragem e conferem a segurança para os grandes combates. Experimentemo-nos através dos sofrimentos suaves, para sermos mais audazes e resolutos quando cairmos nas mãos da Fortuna; quando ela nos atacar mais fortemente e ela empregar todo o seu poder contra nós. A história menciona um homem que, para se tornar sábio na arte de sofrer, colocava um carvão em brasa em seu braço nu, soprando-o sempre para que ele se acendesse, experimentando sua paciência através da dor e querendo saber até que ponto ela poderia ir [no original latino, Nieremberg menciona um certo Salústio que viveu na época de Simplício. Não encontramos, porém, referências a este personagem; ndt]. Certamente esse pequeno fogo foi capaz de impedir que ele fosse queimado pela ira da Fortuna; esse pequeno fogo o garantiu contra todos os ultrajes que ela lhe poderia causar, no maior ardor de sua ira. Como nossa previdência enfraquece e diminui os males, a tentativa que fazemos corrige e tempera sua amargura; dessa forma, eles se tornam para nós, sem dúvida, menos formidáveis. O conhecimento e os hábitos que parece que formamos com eles, arranca de nós o terror e o temor e, consequentemente, nos arranca aquilo que nos faz acreditar muito mais sensível e incômodo o que, de fato, não o é. Foi uma má razão aquela que um Sibarita usou para falar da audácia com a qual os Lacedemônios [os espartanos; ndt] se portavam nos perigos da guerra; quando considerou sua penosa forma de viver e a austeridade dos exercícios a que se dedicavam desde sua infância, ele atribuiu seu valor a uma impaciência de morrer, para se livrar de uma vida que era considerada por eles como uma suplício contínuo; ele deu o nome de covardia ao maior efeito da Virtude. Foi muito injusto ter esse pensamento, foi sinal de muita ignorância não saber que nada nos fortifica mais contra os sofrimentos do que os sofrimentos mesmos, e que a Paciência é o soberano remédio contra a dor. A constância dos Espartanos não era, portanto, um desespero, como esse Sibarita pensava, mas era uma virtude confirmada por contínuos sofrimentos, com a qual não apenas eles suportavam sem dificuldades os sofrimentos necessários, como também ultrapassavam a dureza do destino; e, por uma morte voluntária, eles triunfavam sobre a violência da morte mesma. O famoso Príncipe [no original latino, Nieremberg se refere a Mitrídates e, certamente, trata-se de Mitrídates VI do Ponto (132 a.C. – 63 a.C.), que foi rei do Ponto e um dos mais bem sucedidos inimigos do Império Romano; ndt] que tomando veneno o tornou inocente na medida em que o tornou familiar para si; que evitou o perigo se expondo a ele, se abandonando a ele; e por um milagre do hábito fez com que servisse para o sustento de sua vida aquilo que só poderia destrui-la. Cheguemos a ter um habilidade como essa, a fim de nos garantirmos contra a malignidade de nossa própria Natureza; endureçamo-nos contra os sofrimentos pelos sofrimentos mesmos. Aquilo que achamos que vai nos perder será o que nos salvará; e faremos a experiência desta importante verdade: que a Paciência é um antídoto que se torna ainda mais excelente e mais salutar pela prática.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 232-234.
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