quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Reflexões - Capítulo VII

CAPÍTULO SÉTIMO
Será necessário uma prova particular para apoiar esta verdade reconhecida de forma tão geral? Consideremos o famoso Império dos Africanos [no original latino, Nieremberg escreve: “Quid aliud maiestas Assyrii imperii fuit, nisi ductilis, tractitiaque figura scenae?”. Trata-se, portanto, do Império Assírio, cuja capital original era a cidade de Assur, na Mesopotâmia; ndt] que, tendo começado com o mundo, parecia que só acabaria com o fim mesmo do mundo: o que foi dele senão uma magnífica peça de decoração desse grande Teatro? Depois que ele cumpriu o tempo que lhe havia sido prescrito por uma potência superior à sua, ele deixou o lugar aos Medos [tribo de origem ariana que migrou da Ásia Central para o planalto iraniano, fundando um reino cuja capital era a cidade de Ecbátana, no final do século VII a.C.; ndt]. Em seguida, deu lugar aos Persas. Aos Persas sucederam os Macedônios; aos Macedônios, os Romanos; a esses últimos sucederam os primeiros. Assim, existiram figuras que passaram cada um em sua ordem. Sem dúvida, os Impérios não tem melhor condição do que aqueles que os fundaram. Estas obras, como tudo aquilo que parte das mãos dos homens, sofrem da enfermidade de seus operários; e não gozam de maior privilégio de imortalidade do que eles mesmos. Eu vos pergunto, onde estão os Alexandres, os Césares, os Pompeus, os outros prodígios todos da ambição e da fortuna que fizeram tanto barulho no mundo e de quem, hoje em dia, o mundo não faz nem memória nem mais barulho algum? Seus nomes permaneceram a duras penas, e se a sua grandeza é ainda conhecida é apenas por causa da mais leve das marcas que deixaram. Sua queda é o único testemunho que nos resta deles, tamanha é a fragilidade e a ruína da glória humana, tamanho é o abuso que os homens fazem de acreditar que ela ultrapassa os rigores do tempo e seja isenta da tumba. Certamente, ela também vai para a tumba e se encerra com eles aí dentro. Ela não sobrevive a eles, e nem lhes deixa título ou marcas de sua duração. Podemos mesmo dizer que ela é ainda mais mortal do que eles mesmos são mortais, visto que pelo menos, após a sua morte, seus ossos e cinzas permanecem; enquanto que a glória, só vivendo pela palavra e sustentando pela voz da Notoriedade, cai e desaparece tão logo esse suporte lhe falta. A potência e a Majestade de tantos Monarcas falharam. Esta falsa e enganadora felicidade destrói a si mesma; e eles, frequentemente, perdem menos por sua fuga do que por seu aniquilamento. Se esses Impérios surpreendentes cujos fundamentos foram tão bem estabelecidos e firmados, chegando mesmo a parecer que sua duração se igualaria à do próprio mundo, passaram como um raio; se esses pesados fardos de terra foram arrasados de maneira tal que parecem apenas uma ilusão; o que podemos pensar que aconteceria com seus grãos e poeira, com seus átomos, que são objeto de nosso amor? Será que somos tão frágeis a ponto de nos persuadirmos – depois de ver tantas cidades poderosas, protegidas por muralhas tão altas, e governadas por tão santas leis, com uma armada tão forte e numerosa, que o universo não seria mesmo capaz de contê-la, e nada seria capaz de resistir a elas, com tanta força e sabedoria usadas para conservá-la, e não tendo a Fortuna como inimiga, visto estar acorrentada – de que poderíamos adquirir a eternidade à custa do restolho que abraçamos e pelo que demonstramos tanto entusiasmo? Tudo aquilo que admiramos na terra e que nos parece ser precioso nada mais é do que um nada que possui brilho e que corre no sentido de sua própria ruína. Como ele se sente fraco e perecível, ele se fantasia, ele foge do medo de que, se viermos a surpreendê-lo, seu engano seja reconhecido, ele sinta vergonha de ser descoberto e nos sintamos confusos por tê-lo amado.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 197-200.

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