CAPÍTULO VIGÉSIMO QUARTO
Tivemos razão em dizer, portanto, que não se encontrará nele [em Catão; ndt] nada que não se possa encontrar no mais covarde dos homens, visto que, suicidando-se, ele não fez mais do que fez o último dos Reis dos Assírios que, por um ato autêntico de sua moleza, parecida com a das mulheres, não apenas se declarou indigno de todas as vantagens de seu nascimento, como também de todas as prerrogativas de seu sexo. Ele certamente não fez mais do que qualquer mulher faria, mesmo aquelas para quem o hábito e a profissão do vício fizeram se apagar todos os sentimentos de honra, queimaram todas as sementes da virtude. Que glória ele poderia ter pretendido de uma ação na qual ele se acomunou às pessoas mais frágeis do mundo, junto com as crianças, os velhos, os doentes e os insensatos? Verdadeiramente, por mais favorável que seja a interpretação que seus aduladores façam de sua morte, e mesmo que ele tenha desejado ganhar a imortalidade ou se subtrair à tirania, eles [seus aduladores; ndt] não poderiam negar que ele testemunhou impaciência, seja pelo desejo que pelo temor. É preciso que eles [os aduladores de Assurbanípal; ndt] se dobrem ao fato deque em um e outro [desejo ou temor; ndt] ele se mostrou incapaz de sofrer a vida. Na verdade, ele a achava tão insuportável que não foi capaz nem mesmo de procurar a glória de suportá-la o mais pacientemente possível, como suportou, por exemplo, uma vez, a sede nos desertos da Líbia, quando um dos soldados de sua armada, tendo lhe apresentado água, a recusou tão corajosamente e muito longe de tê-lo feito do seu agrado. Ele o expulsou com essas belas palavras: Tu és um covarde. Acreditas, por acaso, que sou o único em meio a essas tropas que seja sem virtude? Como é que eu posso parecer para ti tão dessemelhante àquilo que realmente sou a ponto de creres que eu tenha necessidade do injurioso serviço que tu me prestas? Tu estas certamente bem convencido da fraqueza, tu és certamente bem digno de ser olhado, de ser desprezado por todos os teus companheiros, como aquele que lhes tira a parte de honra que ainda lhes resta no sofrimento dos incômodos pelos quais são pressionados. Depois disso, que desculpa poderá haver para ele? Não teremos razão em dizer que, no final, ele se tornou dessemelhante a si mesmo? E que suas generosas mãos, com as quais distribuiu esta água, saciou a sede de sua armada, perderam sua antiga dignidade ao se empregarem em uma ação tão vil e covarde como a de produzir a própria morte? Digamos francamente, ele esqueceu sua virtude ao querer se eximir de sofrer, vendo sua pátria no sofrimento, e ao aspirar à liberdade sozinho, enquanto sua pátria estava sob o ferro inimigo. Foi uma ingratidão, para não dizer que foi muito desumano, privá-la voluntariamente da consolação que ela pretendia ao partilhar com ele suas dores, partilhando-as com Catão. Fê-lo, estando certo de que os males que nos acomunam às pessoas de bem parecem não nos ser incômodos, que não quase não sentimos os flagelos da Fortuna, vendo-os cair igualmente sobre aqueles que cremos valer mais do que nós, e que é uma espécie de felicidade ser miserável com aqueles que não merecem, de forma alguma, sê-lo. Verdadeiramente, se como antes ele foi coberto de honra ao recusar o remédio para sua sede, rejeitando o remédio que a Fortuna apresentou para a sua dor – e que, sem dúvida, ofendia muito mais sua constância – sua Virtude, que sempre foi grande, conservando-se pura, mereceria ainda hoje todos os nossos louvores e toda a nossa estima.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 255-257.
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