quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XI

CAPÍTULO UNDÉCIMO
O homem nasce chorando; as primeiras produções da sua Primavera são as lágrimas; julguemos disso quais serão as outras estações de sua vida, e que frutos poderão nascer dessas flores. Não passa tempo algum, para ele, entre nascer e sofrer; no mesmo instante, as duas coisas acontecem; e tão logo ele chega ao mundo, já se aflige de ter vindo a ele. A dor é o primeiro reconhecimento ao preço do qual ele paga a visão do dia; e ele o paga, em seguida, até ao fim da vida, outros tributos à miséria. Aquele que resiste a um dever tão necessário e natural comete injúria contra a dignidade de sua própria condição, ofende a natureza ao acreditar que ela não o fez capaz de sofrer; e por isso ele decai, ele se torna indigno de todas as vantagens que recebeu dela. Que ele sofra, portanto, na maturidade o que sofreu na infância, e que não tenha vergonha do seu destino, já que ele não abriu sua boca mais para respirar do que para se lamentar. Que ele pense que esteja nisso o verdadeiro emprego de sua vida, e que se possa dizer que ele é menos inocente por viver do que por sofrer. Esta é a primeira lição que nos é dada, e a última que aprendemos. Todos os animais conhecem, desde o princípio, suas forças e, sem qualquer outro estudo que seu instinto, sabem e procuram aquilo que lhes é próprio. Só o homem nasce ignorante, nasce inábil para tudo menos para as lágrimas, que é um bem que ele recebeu da liberalidade da Natureza. Ela lhe deu as lágrimas gratuitamente; e ele deve saber lhe ser grato por isso, mas também deve saber a causa. E é para moderar, de alguma maneira, os rigores que ela lhe impôs e para temperar sua amargura com alguma doçura; por isso, ela quis lhe dar essa atenuação comum de seus males, ela quis lhe dar esse instrumento e lhe preparar esse primeiro remédio contra os golpes que ele receberá da Fortuna. A experiência nos ensinou que esse remédio é de uma virtude singular para que ele [o homem; ndt] ache menos rude os golpes da Fortuna, e para que as chagas mais dolorosas sejam aquelas que não sangrem à vista dos olhos. Aprendamos disso o quão natural é para o homem sofrer, pois somente ele tem o dom de chorar. A felicidade dessa vida – falo daquela que procuramos fora de nós – é tanto menos curta quanto é violenta. O brilho das coisas do mundo é apenas uma luz falsa que a Fortuna lhes empresta contra sua vontade para que, por essa mesma razão, ela possa retirar esse mesmo brilho e ele desaparece em um piscar de olhos. Desta instabilidade procede tudo o que nos faz mal. Assim, portanto, nos é extremamente natural sofrer. Alguém poderia pensar que nisso é que se encontra nossa infelicidade. Até posso dizer que sim, desde que soframos impacientemente. Mas, saibamos que a Natureza não nos faltou em nada daquelas coisas que ela julgou como necessárias para nós; e saibamos ainda mais que recebemos também uma particular assistência do Céu. Houve muitos homens que nunca quiseram rir, mas nunca se viu um homem que não tenha chorado. Mesmo aquele para quem a vida sempre foi motivo de risos, Demócrito [cf. tag ao lado; ndt], chorou quanto nasceu. Certamente não existe a pessoa que possa se gloriar de nunca ter sofrido; está por nascer essa pessoa que possua a vantagem de ser isenta de dor e de pena.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 224-226.

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