terça-feira, 7 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo VII

CAPÍTULO SÉTIMO
Aqui, me dou conta de que o Filósofo que quis nos tornar fácil o estudo da sabedoria, reduzindo-a toda ao exercícios da Paciência e da Moderação [no original latino, Nieremberg cita Epícteto, sobre o qual já falamos em nota anterior : filósofo grego, que viveu entre c. 55 a.C. e c. 135 a.C. Era seguidor da escola estóica e viveu parte de sua vida como escravo em Roma; ndt], se afastou bastante de seu objetivo; e não apenas não a resumiu, como também a reduziu a metade, visto que a restringiu apenas à prática da Moderação. E, em verdade, quem pode dizer razoavelmente que não deseja nada, porque tem algo que não deseja? Porque tem algo que não é de seu agrado e que não desejou? Para dizer mais corretamente, é um sofrimento não estender nossos desejos para além daquilo que temos, não os levar para mais longe do que a nossa posse presente. É saber esta arte tão necessária de se acomodar aos movimentos, aos caprichos da Fortuna; e não duvidemos de que aquele que conserva sua vontade clara e pura suporta muito melhor o que lhe acontece de ruim, visto que ele sabe por experiência que a adversidade é leve e que ela só nos pesa porque nos encontra já carregados de nossa cobiça. Assim, é o arreio que nos incomoda e não a carga. Entretanto, porque não a conhecemos, achamos que nos aliviamos, mas nos sobrecarregamos de novo; tudo o que fazemos é aumentar bastante o peso de nossa miséria. Nisso, não somos menos ridículos do que o Aldeão que, voltando do trabalho no campo, acoplou seu arado a um dos animais da lavoura e foi tão pouco razoável de montar sobre ele; mas vendo que, por causa de um tão grande fardo o animal não conseguia se mover, ele pos os pés nos chão, tomou sobre si o arado e montou no animal, imaginando que assim o aliviaria do peso. Temos imensos cuidados em descarregar nosso espírito do fardo dos desejos que pesam sobre ele; mas, pelo contrário, nós o aumentamos sempre e sem que a Fortuna se meta nisso, sem que ela acrescente coisa alguma; somos nós que nos colocamos na situação de não poder suportar-nos a nós mesmos. Tiremos, portanto, nossa cobiça e sofreremos sem nenhuma dificuldade qualquer problema que possa chegar a nós; não há nada de insuportável, nada de duro e de incômodo para quem não sobrecarrega seu espírito com os tristes pensamentos sobre o futuro. São grandes fardos que têm a maravilhosa habilidade de se tornarem pequenos e se fazerem tão pouco volumosos a ponto de entrarem facilmente em nosso coração e torná-lo suscetível ao temor por acontecimentos que frequentemente o tempo sozinho não produziria. Mas nossa tristeza é tal que a espera pelos bens não nos causa maior mal do que o medo pelos males. Não seríamos capazes de ter, ao mesmo tempo, tudo o que podemos apreender; é muito pouco tudo aquilo que a Fortuna nos pode suscitar de uma única vez; e se ela não tomasse de empréstimo de nós mesmos, se ela não se valesse de nossos desejos, ela seria desarmada já na primeira ocasião, ela seria esvaziada de sua astúcia bem cedo. Tiremos desta verdade que, reprimindo nossa cobiça e praticando a moderação, não apenas tiraremos todas as vantagens que a acompanham [à Moderação; ndt], como também conseguiremos as vantagens que vêm da paciência. Abstendo-nos do desejo pelos bens, sofreremos muito facilmente os males, iremos rumo à felicidade pela via melhor e mais curta.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 216-218.

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