quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo X

CAPÍTULO DÉCIMO
Imprimamos bem fundo no nosso coração as palavras do Temanita [trata-se de um dos três companheiros de Jó, Elifaz o Temanita. Conforme o relato do segundo capítulo de Jó, Elifaz é o consolador cujo discurso é o mais extenso. Os outros “consoladores” são Bildade e Zofar; ndt], que tendo estudado seriamente esta vida, disse que o homem nasceu para sofrer, como o pássaro para voar. Pode essa verdade ser representada por uma comparação mais justa e própria do que essa? O que falta ao pássaro de tudo aquilo que serve para a sua leveza e que fazer parte de sua natureza? Consideremos como ele tem o bico como se fosse uma proa, para fender o ar; como sua cauda lhe serve de timão para manter firme sua rota e modificá-la quando lhe parecer necessário; como suas asas são composta de uma dupla camada de penas de diferentes tamanhos, como se tivesse uma fila dupla de remos; como, ao voar, ele recolhe seus pés dentro de si mesmo, e como ele os lança para fora como se fossem duas âncoras que ele quer pousar sobre um galho, a que podemos dar o nome de porto. Será preciso refletir mais sobre isso? Não foi sobre esse modelo que os homens construíram tantos navios que, atravessando em tão pouco tempo um tão grande espaço de mares, imitam tão bem esses navios do ar em sua velocidade e em sua estrutura? Assim, o homem é votado ao sofrimento pela condição de seu nascimento. A natureza parece ter se explicado suficientemente sobre o desígnio que ela teve de colocá-lo para isso no mundo; tendo-o deixado nu, pobre, sem armas; desprovido de tudo aquilo que lhe poderia servir de defesa; abandonado frequentemente a si mesmo; e, para dizer em uma palavra, tendo lhe dado a miséria por elemento, como deu o ar ao pássaro. Assim, mesmo que algumas vezes ele não tenha aquilo que lhe é necessário para passar a vida, ele tem tudo o que lhe é necessário para suportar a dor. Como o pássaro tem suficientemente tudo o que é necessário para voar. No entanto, há, entre eles [pássaros e homens; ndt] essa diferença: aos pássaros, as asas, que são o instrumento de sua leveza, podem faltar; enquanto que aos homens não poderia faltar aquilo que lhes confere o meio de sofrer. A Natureza lhe foi bastante favorável ao não colocá-lo longe de um bem tão importante. E, verdadeiramente, pode acontecer muito mais ao Cervo de não conseguir correr, pode acontecer ao lobo e aos outros animais carniceiros de não viver de suas vítimas, ao Leão de não assustar, do que ao homem de não poder sofrer. Eis aqui, sem dúvida, a mais alta marca do cuidado que a Natureza teve para com ele. Ela não permitiu que ele pudesse ser privado de uma vantagem que lhe confere outras tantas.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 222-224.

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