quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Reflexões - Capítulo IV

CAPÍTULO QUARTO
A este respeito, temos um exemplo para justificar esta inocente e virtuosa dissimulação: ele nos foi apresentado por São Gregório Nazianzeno [nascido provavelmente no ano 330, São Gregório de Nazianzo, foi um teólogo importante no período da Patrística, faleceu em 390; ndt], que louvou seu irmão por tê-la praticado muito felizmente, conservando, em meio à desordem e à corrupção da Corte, a quietude e a pureza com a qual se vive no deserto, guardando, sob a fisionomia e os trajes de um cortesão, a simplicidade e a austeridade de um Anacoreta. Esta habilidade é muito útil e muito importante para aqueles que se encontram em altas posições. Ela é absolutamente necessária a quem se emprega nos negócios do mundo; e isso é impossível de se conseguir se se ignora a arte de se acomodar à diversidade das ocasiões. Em verdade, aquele que o compreende não deve esperar a menor das vantagens, a não ser a de nunca estar sob a mira da Fortuna e se encontrar sempre fora do alcance de seus golpes bem aplicados. Por este meio, ele mantém seu espírito numa perpétua tranquilidade. Não apenas ele é capaz de olhar sem espanto e sem medo para esta cruel inimiga de nosso repouso, como também ele é seguro de vencê-la sozinho e sem armas. Se ele se encontrar em meio a situações que tocam os interesses de outros e ele seja obrigado a tomar parte nesses interesses, como será que esta aparência e, para melhor dizer, essa máscara lhe será necessária? Que vantagens ele obterá desse artifício? Certamente, ele poderá usar dele sem temer que, por causa disso, seja acusado de faltar com a coragem e de criar imposturas acerca das coisas, tratando com elas às escondidas; ele sabe que elas também são mascaradas como ele, que é mais necessário que elas sejam aquilo que lhe parecem ser e que não devem exigir dele mais franqueza do que se vê parecer. Tenhamos como indubitável que os bens e os males desta vida são fantasiados e, consequentemente, que não devemos ter nenhum escrúpulo de ser como eles. Sob uma aparência de sinceridade eles escondem um interior corrompido. É muito melhor que nos guardemos de nos parecermos com eles nisso, ainda que nos seja permitido imitá-los quanto ao resto. Aquilo que aparece de nós no exterior deve ser sombrio e obscuro; mas, por dentro, nossa paz deve ser toda pura e brilhante. Não poderia haver melhor precaução contra os enganos e as dissimulações do mundo do que lhe mostrar nosso rosto e guardar nosso coração. Assim também, certamente, ele faz conosco e aquilo que ele nos esconde nunca corresponde àquilo que ele nos mostra. Não achemos que isso seja estranho, e julgando-o como a nós mesmos, pensemos, eu vos peço, em quantas vezes nós parecemos toda uma outra coisa diferente daquilo que éramos, quantas vezes nos acontece de ver as coisas como se estivessem numa fantasia universal e que o mundo parece uma perpétua Comédia. Assim, não acharemos extraordinário o fato de que elas carregam uma máscara, de forma a não conseguirmos ver seu verdadeiro rosto e elas não nos parecerem em nada como são naturalmente.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 191-193.

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