sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XII

CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO
Disso tiraremos, talvez, motivo para nos espantar: por que o homem, o único dos animais destinado à beatitude, nasce para a pena e para a dor? Por que ele se devota à alegria chorando? Por que, sendo o único capaz de felicidade, é o único capaz de lágrimas? Isso não nos parecerá estranho quando entendermos que ele nasceu para a virtude, a única via para se chegar à felicidade; consequentemente, ele nasceu para o sacrifício, que é a matéria de que é composta a virtude; quando entendermos também que o caminho para chegar a ela é todo coberto de espinhos, é cheio de dificuldades e impedimentos. E quantas e quão grandes ocasiões não faltam à Natureza, eu vos pergunto, de agir? Onde haveria ocasião se não houvesse miséria? De que serviria a constância? Qual a glória que ela nos daria se não sofrêssemos mal algum, se a vida não fosse cheia de calamidades e desgraças? Quem seria liberal e caritativo se não houvesse pobres? Enfim, para mostrar a força dessa verdade a apoiaremos sobre a mais potente das provas: se os homens não fossem mortais, como adquiririam a imortalidade desprezando a morte? Eis onde se ajusta mais precisamente a relação entre o homem e o pássaro. Este, deixando a terra, se eleva o mais alto que pode no ar, de forma que parece que seu voo tem por único objetivo o Céu mesmo, e vivendo nas regiões que são mais próximas do Céu, como se estivesse na sua verdadeira morada, não desdenha de lançar os olhos sobre aquilo que está por baixo dele; o pássaro também vendo, às vezes, que sua força está acabando e que seu voo se estendeu por demais, desce e se aproxima de nós, sem jamais se esquecer do instinto que tem de se elevar, não buscando, com isso, lugares mais eminentes ou se esquecendo que seu elemento não é a terra. O homem, como o pássaro, nasceu para o Céu, olhando o mundo como um objeto bem abaixo de sua ambição, e considerando a dignidade do tempo para o qual anseia a partir de seus sacrifícios, como o pássaro a partir de suas asas. Sem mentir, a Providência se mostrou maravilhosa ao nos impor a necessidade de uma coisa cuja excelência sozinha seria suficiente para nos solicitar os desejos e que é tão vantajosa para nossa natureza quanto inseparável dela. Isso não deveria ser o bastante para nos fazer amar a paciência? Um Doutor Árabe [no original latino, Nieremberg também fala genericamente de um árabe, mas não menciona nome; ndt] teve razão ao dizer que ela se mensura pelo bem e utilidade que dela recebemos. E a experiência justifica suficientemente que o sacrifício nos foi necessário para que a vantagem que o acompanha nos fosse infalível. Assim, quando a Fortuna se debruçar em favor de alguém, tornando-o mestre de tudo o que ela possui de bens e sem temor de empobrecer, tornando-o rico; quando ela passar para ele até a última gota de prodigalidade, não duvidemos de que essa pessoa tão feliz não tenha visto nem uma vez sequer sua vida reduzida ao sofrimento; e que na abundância e na plenitude de todas as coisas ela não tenha encontrado algum sofrimento. Haverá uma prova mais evidente do que a extremidade na qual caíram, um dia, dois dos mais poderosos Príncipes do mundo, Dário e Pompeu, o extremo de não possuírem nem mesmo uma gota de água para matar a sede, de se verem, então, inutilmente donos de tantos rios? O Grande Alexandre não pode nem mesmo, algumas vezes, se proteger do frio, mesmo sendo possuidor absoluto do Oriente e estando sempre como se na casa do Sol; ele teve em seu poder o princípio e a fonte do calor; e sua dominação foi tamanha que a única coisa que lhe era possível era impedir que este Astro trouxesse o dia para o Universo, todo o resto lhe parecia possível.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 226-229.

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