CAPÍTULO DÉCIMO OITAVO
Se, para nós, é difícil praticar um tão duro meio de nos instruir à paciência, eis um do qual poderemos nos servir com facilidade. Esperemos constantemente e de pés firmes os males, por maiores que sejam, por estranhos que nos pareçam, sem medo algum: a segurança com a qual nos os veremos vir assustará a metade deles; corrigirá o sabor e amassará a ponta. Mas se nós nos fixarmos nas vãs promessas da Fortuna, a que sempre nos deixamos levar, por mais que continuemos a nos lamentar e a maldizer, por mais que, para falar a verdade, ela nos construa torres perigosas, as tristezas sempre nos tomarão de improviso e nos destruíram pela sua vinda repentina. Não pensemos que seja preciso sofrer muito a fim de evitá-las; sem nos colocarmos diante delas, acabaremos as esperando, as vendo vir e, para uma segurança maior do que dissemos, acabaremos sempre esperando os eventos que são contrários à nossa expectativa, porque o que vemos mais ordinariamente, eu vos pergunto, do que os sucessos que não respondem às nossas esperanças e a nossos desejos? Certamente não há dia que não nos traga penas, ou nos quais não tenhamos que, no mínimo, combater os desígnios que a Fortuna tem de nos causar mal. Sendo assim, não é estranho que a fraqueza de nosso corpo, querendo todos os dias ser reparada e sustentada pelo alimento, seja regularmente atendida por horas de dedicação, e no entanto não dedicamos nem um minuto sequer às limitações de nosso espírito, contra as dores que ele sofre e contra as quais não temos que nos defender por apenas um dia, mas por toda a nossa vida? Consideremos um pouco de quantos diferentes um homem sozinho faz a sua mesa, e como apenas uma de suas refeições tem e consume mais coisas do que a superstição do Paganismo empregava no mais solene de seus sacrifícios. Que loucura é essa a nossa que nos leva a preparar com tanto cuidado aquilo que as Volúpias possuirão, de buscar com tanta curiosidade o uso de delícias que sabemos bem não nos chegarão todas as vezes que quisermos; e sermos tão negligentes no nos fortalecermos contra os males, mantendo-nos seguros, como devemos ser, de que é necessário que soframos os males frequentemente e quando menos pensamos neles, pois podemos sofrer de repente? Quem não se assusta com a repentina aproximação de um poderoso e cruel inimigo, de quem já sentiu várias vezes a ira? Quem, pelo contrário, ao inopinado encontro com um amigo fiel e generoso sente desgosto e confusão? Certamente que nossa cegueira é extrema, quando sofremos dia e noite procurando novas delícias e nunca nos ordenando na preservação dos males. Como não há nada de mais ordinário para nós do que comer e dormir, sempre temos muita atenção nessas tarefas para que sejam agradáveis de se realizar; porém, não cuidamos do fato de que nos é ainda mais ordinário sofrer. Trabalhamos sem cessar para o sustento de nosso corpo e não pensamos nunca em suportar a enfermidade de nossa própria natureza. Por que não sofremos para que não tenhamos motivo para sofrimento? Sem dúvida a moleza e a ociosidade nos tornam mais sensíveis à dor; e não há dor mais doida do que aquela que não foi experimentada antes. Um homem sentado pode ser tanto mais abatido que é como se estivesse meio caído; e aquele que seu inimigo surpreende caído por terra perde, por essa desvantagem, todos os meios de se defender. Assim, não duvidemos que se a Fortuna nos encontra repousando, nos encontra sentados, ela terá muito mais facilidade de nos causar algum mal. Que ela nos encontre, portanto, de pé e acostumados a sofrer. Além do mais, é preciso lembrar que dessa forma estaremos melhor preparados para resistir a ela, evitaremos o inconveniente que a ociosidade causa depois dela, de nos atormentar pela nossa própria impaciência, e de nos paralisar de dor em meio às delícias e às Volúpias.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 238-240.
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