quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo II

CAPÍTULO SEGUNDO
Como é muito fácil bem viver, também é muito fácil, sem dúvida, aprender o meio para isso. A Arte que nos ensina isso se dedica apenas à prática dessas duas virtudes, a Paciência e a Moderação. Ela consiste única e exclusivamente nisso. Elas [essas duas virtudes; ndt] produzem a felicidade da mesma maneira que compõem a sabedoria. Não pensemos que estejam nisso os mistérios eleusinos [os Mistérios de Elêusis – ou Mistérios Eleusinos – eram ritos de iniciação ao culto das deusas da agricultura Deméter e Perséfone, que eram celebrados em Elêusis, cidade grega próxima de Atenas. Esses ritos eram guardados em segredo e só podiam ser transmitidos aos novos iniciados; ndt], onde os profanos não eram admitidos; pois nesse caso, ele está aberto indiferentemente a todos; cada um de nós pode ter em sua casa essas Divindades tutelares de sua alegria. Certamente, quem sabe se abster de coisas prazerosas e sabe suportar as desagradáveis, possui uma perfeita tranquilidade, pode ter certeza de ser soberanamente  feliz. São as duas coluns que sustentam o trono da Virtude; é o fundamento onde todo nossa felicidade repousa. Ser paciente e moderado; recusar os bens da Fortuna e, para dizer de forma mais justa, seus brinquedos; sofrer constantemente suas perseguições; tudo isso é estar no cúmulo da felicidade e da sabedoria. Diógenes [refere-se, no original latino, a Diógenes de Sínope (c. 404 a.C. – c. 323 a.C.), filósofo cínico que viveu na Grécia; ndt] tendo feito uma coroa de pinho para si mesmo, da mesma forma como fazem aqueles que ganham o prêmio de combates sagrados, ao ver como o Magistrado quis lhe defender as marcas de uma honra que acreditava ser maior do que realmente era, visto que ninguém nunca o havia visto no liceu com os Atletas, lhe respondeu dizendo que ele trazia essa coroa muito justamente quando conseguira vencer dois poderosos adversários, a Dor e a Volúpia. Não teria sido porque ele sabia a Arte de sofrer e se abster?  Só depende de nós ter a mesma vantagem que este Filósofo; podemos chegar a uma vitória tão grande quanto esta; tendo, como temos, para isso, dois dos melhores e mais fortes ajudantes que nos podem ser úteis no combate que temos que empreender contra a Fortuna, a Moderação e a Paciência. Através desta conseguimos parar, de início, os avanços e a celeridade desta inimiga; e através daquela evitamos suas intrigas; tornamos inúteis as práticas que ela, por muito tempo, empreendeu contra nós. Os primeiros movimentos de sua coléra são ingênuos e sem artifício porque são sem premeditação; e como, então, ela emprega tudo o que lhe vem nas mãos, como ela emprega como armas tudo aquilo que ela encontra pela frente, ela acaba por fazer uso de coisas frágeis e leves que não nos feririam ou nos feririam apenas levemente. Mas, como os efeitos de seu ódio são lentos e tardios, são eles a quem devemos temer, visto que, muito frequentemente, eles ajustam a malícia à força; eles partem de conselho e de deliberação. O meio mais ordinário que ela emprega para nos suscitar o mal, a máquina mais forte de que ela se serve para guerrear contra nós, é nos dando coisas que não queremos e nos recusando aquelas que desejamos. Abstenhamo-nos destas e suportemos constantemente as outras. Dessa forma, nós a desarmaremos inteiramente, venceremos todos os seus empreendimentos e todos os seus esforços.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 205-207.

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