segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XVI

CAPÍTULO DÉCIMO SEXTO
Assim, portanto, devemos estar bastante atentos aos sofrimentos ordinários e contínuos, visto que é indubitável que os sofremos; pois isto é instruir suficientemente a paciência; e justifica que eles formam e produzem em nós esta excelente virtude. Os Gladiadores, e outros tipos de gente perdida, que a desumanidade dos Príncipes Romanos sacrificava para o divertimento do povo, quando ainda estavam apenas mediocremente empregados na sua profissão infame, achavam que a constância e a firmeza eram coisas muito boas, de forma que preferiam morrer sob golpes a ter a vergonha de se retirar do combate e deixar aparecer a menor demonstração de dor e de impaciência, até ao ponto de, caídos por terra, todos cobertos de chagas, todos manchados de sangue, esperarem de seus mestres aquilo que desejavam deles. Se eles recebessem a ordem de morrer, obedeceriam sem replicar; apresentavam corajosamente sua garganta ao ferro do inimigo. Não é verdade que não admiramos em nada uma obediência tão exata, uma fidelidade tão inteira em uma coisa tão pouco séria?  Não é preciso que, por imaginar que a Fortuna brinca conosco, que ela oportuna e voluntariamente nos causa algum mal, estejamos menos prontos a sofrer, que ela nos encontre menos firmes e menos resolutos até para a enfrentar a morte, se for o caso. O Sábio deve estar pronto, como um corajoso Atleta, a executar as ordens que lhe vêm do Céu. Depois de ter combatido por muito tempo, ele deve perguntar a Deus o que ainda pode fazer por Ele; apresentar-se mesmo à espada ao invés de se afastar covardemente dela; e empregar o resto de seu sangue para testemunhar sua obediência. É um combate sagrado que ele trava contra a Fortuna; ele é dedicado a Deus; ele tem os homens e os Anjos como expectadores. Que ele sofra, portanto, pacientemente, visto ser infalível meio de conseguir uma vantagem sobre esta inimiga. Nos combates de espada, aquele que feriu a mão do seu adversário sendo obrigado a se deixar tocar e não estando, por isso, cansado de receber golpes, foi muito mais glorioso do que aquele que levou a coroa nos jogos Olímpicos. O Sábio deve, assim, vencer todos os esforços da Fortuna; ele a deve deixar por sua paciência. Dessa maneira, não se poderá dizer que a desvantagem  do combate seja dele; pois nem o que é ferido é vencido, tanto menos o que é tocado é vitorioso. Foi esse o louvor que mereceu o Famoso Gladiador Melancome [não encontramos nenhuma referência a este personagem; ndt], combatendo todos os dias, durante os mais violentos calores do verão, contra dois adversários muito poderosos, um dos quais era o Sol, que parecia estender ainda mais mãos contra ele do que raios, por assim dizer. Tudo o que ele fez foi enfrentar os golpes, sustentando seu esforço, conseguiu vencer um e outro. Podendo vencer pela força,  ele preferiu vencer pela paciência; ele acreditou que o mais valente dos homens pode tombar sob os golpes do mais covarde; e não acreditando ser verdadeira vitória aquela onde o inimigo é obrigado a se render sem ser ferido, ele encontrou ainda maior honra na sua vitória, na qual o adversário não foi vencido por suas chagas, mas por si mesmo.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 234-236.

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