quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Reflexões - Capítulo VI

CAPÍTULO SEXTO
Não foi por isso mesmo que o Grande Apóstolo exortou aqueles de Corinto [refere-se a São Paulo; ndt]? Quando ele dizia para chorar como se não estivesse chorando, testemunhar alegria sem experimentá-la, adquirir bens como se não devesse possui-los, e usar do mundo sem usá-lo verdadeiramente. Ele lhes recomendava a levar apenas o seu exterior na comunicação que eles tinham com as coisas, ele queria que eles se empregassem apenas aparentemente e, para dizer em apenas uma palavra, ele lhes aconselhava a usar esta fantasia, esta máscara tão necessária. Vamos entender suas razões: A figura do mundo passa, todas as coisas passam com ele, elas só se mostram para nós passando e só nos mostram o seu rosto [o autor se vale de uma passagem de ICor 7, na qual Paulo escreve: "Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. O que importa é que os que têm mulher vivam como se a não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem. Porque a figura deste mundo passa" (29-31); ndt]. Eu vos pergunto, para onde elas vão? Certamente para o seu fim, para a sua aniquilação; elas se evanescem como a fumaça. Visto que, para nós, elas não possuem nem constância, nem sinceridade, também nós não devemos ter por elas os mesmos sentimentos. Sigamos o exemplo que elas nos dão; coloquemo-nos nos termos em que nós as vemos; nunca lhes descubramos nosso interior. Garantiremo-nos, assim, de todas as enganações que elas poderiam tentar contra nós; encontraremos nossa segurança não tratando mais francamente com elas do que elas conosco. Dessa forma, nosso rosto nunca estará de acordo com o nosso coração: quando o primeiro estiver coberto de tristeza, o outro estará pleno de alegria. Façamos como o personagem desses dois Filósofos [no original latino, Nieremberg anota: “Frons Heracliti foris; cor Democriti intus. Persona animi, frons est”. Trata-se portanto de Heráclito de Éfeso (c. 540 a.C. – c. 470 a.C.) e Demócrito de Abdera (c. 460 a.C. – c. 370 a.C.), filósofos gregos do chamado período pré-socrático. É conhecida a oposição que se faz entre ambos: por exemplo, há um sermão do Padre Antonio Vieira, proferido originalmente em italiano, no dia 6 de dezembro de 1674, na Academia Real de Roma, no qual o pregador propõe a seguinte questão: o que é mais razoável, o riso de Demócrito, que zombava de tudo (há anedotas que dizem que Demócrito ria de tudo e dizia que o riso era sábio), ou o pranto de Heráclito (Diógenes Laércio descreve este filósofo como “um homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros”), que chorava por tudo?; ndt]: um que chorava sempre e o outro que ria incessantemente. O rosto é a imagem e o quadro que mostra o espírito; é o ator ordinário que o representa. Em alguns lugares, é preciso que a representação seja fiel; aqui, pelo contrário, ela deve ser falsa; e a excelência está em não representar nada menos do que aquilo que se crê que representamos. Nesse mesmo sentido, o Apóstolo [São Paulo; ndt] visou as ações que se realizavam em seu tempo; ele considerou as frequentes mudanças na face do teatro, na qual a magnificência e a indústria Gregas faziam parecer uma contínua sequência de atos diversos e de personagens diferentes. Com efeito, haveria melhor forma de representar o mundo do que como um teatro, onde Deus é o mestre da comédia? Onde os homens são os Atores? Onde as coisas servem apenas como decoração? E, como elas mudam incessantemente, a face do teatro, que muda com elas, é tão diversa que nunca se parece consigo mesma.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 196-197.

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