terça-feira, 21 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXII

CAPÍTULO VIGÉSIMO SEGUNDO
Depois de Jó – e num outro espaço de tempo – veio Tobias, que acreditou não ter nada de mais soberano para praticar do que a paciência na tristeza da cegueira que as andorinhas lhe causaram [o autor se refere, na verdade, a Tobit, pai de Tobias. Segundo o relato bíblico (Livro de Tobias), Tobit fica cego depois que lhe caem fezes de andorinhas nos olhos (Tob 2, 11); ndt]. Não seria esse um remédio muito mais excelente do que aquele que a Natureza faz com que esse tipo de pássaros busque quando uma enfermidade parecida lhes aflige? Por maior que tenha sido o mérito de sua caridade ao levar os mortos para a tumba, a glória de sua constância foi ainda maior por suportar a perseguição dos vivos [segundo o relato bíblico, Tobit, ao saber por Tobias que "um dos filhos de Israel jazia degolado na praça", levantou-se para dar sepultura ao defunto, como já havia feito antes, tendo sido objeto de críticas e, por pouco, tendo escapado da sentença de morte. Sabe-se que, na ocasião em que se passa o relato, Tobit era exilado em Nínive: "Quando o rei Senaquerib, fugindo da Judéia ao castigo com que Deus o ferira por suas blasfêmias, mandou assassinar, na sua ira, um grande número de israelitas, Tobit sepultou os seus cadáveres. Denunciaram-no ao rei, que o mandou matar e confiscou todos os seus bens. Tobit, porém, despojado de tudo, fugiu com seu filho e sua mulher e, como tinha muitos amigos, conseguiu permanecer oculto" (Tob 1, 21-23); ndt]. Por um necessário efeito de sua inocência, ele foi o digno emulador da paciência de Jó. Ele instruiu o mundo através de suas penas e de seus sofrimentos, até a vinda daquele que, querendo nos conceder a graça de sofrer por nós, se revestiu de nossa Natureza, a fim de realizar seu desígnio, tomando nossa carne para se tornar passível [trata-se de Jesus Cristo; ndt]. Certamente, não nos seria necessário um motivo menor de imitação, para que formemos nossa paciência; e precisaríamos ser excitados pelos sofrimentos voluntários do Salvador do mundo, a não ter repugnância por aqueles sofrimentos que a fraqueza de nossa natureza nos impôs necessariamente. Ele quis nos ensinar, por meio de seu próprio exemplo, que a Paciência é o antídoto raro e geral contra nossos males, o lenitivo de todas as dores do espírito e, como ele disse de si mesmo, o bálsamo salutar e divino que dá inteira cura a todas as chagas. Não era para este mistério que a antiquidade visava, nas trevas de sua ignorância, quando, buscando um perfeito modelo de virtude, por meio de quem a natureza humana pudesse se instruir no sofrimento, e não encontrando nada sobre a face da Terra que não fosse tão inferior à ideia que ela havia concebido, ela fez descer do Céu o filho de um Deus, sob o nome de Hércules, em que se encontrasse uma constância invencível; tendo estendido a liberdade que ela se deu de o fingir até ao ponto de cumprir todos os dons e todas as vantagens que ela pudesse desejar? Ela acreditou que, ainda que os sofrimentos sejam contraditórios e repugnantes para a perfeição da Natureza divina, eles não são, no entanto, indignos. Ela acreditou que era mais necessário nos propor os sofrimentos de um Deus, que nos imporiam uma dupla obrigação de suportar com constância os nossos – seja pelo mérito que há de sofrer, seja pela dignidade da pessoa que nos será proposta para nos mostrar o exemplo. Graças à soberana causa de todos os nossos bens, esse fingimento deu lugar à Verdade. Nós tivemos essa real e perfeita virtude na sagrada pessoa de JESUS CRISTO, que nos tendo deixado o exemplo de sua paciência, nos deu o Soberano remédio para todas as nossas enfermidades. E o que mais poderemos esperar daquele cujos ensinamentos, como todas as suas outras ações, só respiraram doçura? Daquele que, para o dizer em uma palavra, foi a doçura e a benevolência mesmas?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 247-249.

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