terça-feira, 14 de setembro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XIX

CAPÍTULO DÉCIMO NONO
Certamente, quando penso nas desordens que a impaciência causa em nosso espírito, quando faço uma imagem ingênua disso, não consigo pensar numa maneira mais adequada de atingir meu objetivo do que a comparando a Efialtes [trata-se do nome de diversos personagens da mitologia grega. Porém, nesse caso, Nieremberg está tratando do daimon, ou espírito dos pesadelos; ndt]; àquela obstrução do estômago que nos atinge quando dormimos, por causa dos vapores que a indigestão faz se elevar dentro dele loucamente e que, enchendo-o com violência, fazem com que nos parece estar carregando um fardo pesado e dão a uma imaginação a força de uma verdade. Não há homem que nunca tenha sentido, alguma vez pelo menos, a pena que causa esta curta doença. Porque, a fim de que, no estudo que estamos fazendo de nossa miséria, aprendamos bem até onde se estende seu alcance e, dessa forma, saibamos que nosso repouso mesmo tem seus incômodos; tanto que é indubitável que devemos praticar todo um outro meio para nos garantir contra os males; outro meio que não seja a resistência ou a fuga, visto que só de pensar nos males que nos alcançam quando estamos dormindo já nos damos conta de que é quase infinito. Para falar a verdade, é mesmo no sono que isso nos acontece; e nosso sofrimento é tamanho que nos faz lamentar tão alto e nos atormentarmos tanto como se estivéssemos sempre diante de um perigo iminente, como se estivéssemos sempre a ponto de nos tornarmos presa de uma besta selvagem. Às vezes, parece que estamos caindo em um precipício. Às vezes, parece que estamos sendo engolidos por abismos no mar. E a agitação que nos causa o medo desse perigo imaginário é tão grande que, mesmo quando despertamos, e descobrimos que era um erro, continuamos tremendo, sentimos dificuldade em nos assegurarmos outra vez. Mas o pior é que nos atormentamos inutilmente e nossos esforços para nos desfazermos desse fardo são tão vãos como os fardos mesmos. É preciso dizer mais? Há momentos em que parece que vamos correr sem parar; há momentos em que gritamos com toda força que temos; mas, de repente, as pernas se cansam e a voz nos falta. Quem poderia dar uma imagem mais ingênua dos efeitos da impaciência? Principalmente quando ela age num espírito adormecido nas delícias e na preguiça. Sem ter outro fardo que aquele de sua própria fraqueza, ele [o espírito adormecido; ndt] tenta se desfazer desse fardo, chora, grita, atormenta-se; e fazendo isso, sobrecarrega-se ainda mais, ao invés de se aliviar. Todas as dificuldades que sofrem os impacientes vêm do fato de não quererem sofrer; mas se eles acordassem de vez em quando e voltassem a si, e se resolvessem a querer aquilo que é preciso necessariamente querer, aquilo que nos é impossível evitar, se dúvida o fardo que os incomodava se desfaria e eles se encontrariam, a partir de então, curados de sua doença. Trata-se de conhecer mal a Fortuna pensar que a podemos vencer com a força. Só conseguimos vencê-la, seguramente, através da paciência. Através dela, tornamo-nos tão poderosos e, por assim dizer, tão robustos, que podemos muito bem dizer que nos é muito fácil suportar todas as coisas, valendo-nos apenas de nossa vontade. Sansão [segundo o livro de Juízes (capítulos 13 a 16), Sansão foi o décimo terceiro juiz de Israel, tendo assumido esse posto aproximadamente entre 1177 a.C. e 1157 a.C. Segundo o relato bíblico, Sansão era portador de uma força sobre-humana, cuja fonte eram seus cabelos; ndt] derrubou as portas da cidade onde os Filisteus acreditavam que o manteriam preso. Sua força consistia em seus cabelos, da mesma forma que a força de Ptérela e Niso [sabemos que ambos são personagens da mitologia grega: segundo o relato da vida de Hércules, Ptérela era o Rei de Tafos; enquanto que Niso era o Rei de Mégara, traído por sua filha Sila apaixonada por seu maior inimigo, o Rei Minos. Não encontramos, porém, nos relatos acerca desses dois personagens, nenhuma menção à força deles e sua origem nos cabelos; ndt]. Para falar a verdade, ela [a força; ndt] era muito grande, no entanto, não era uma força da qual pudessem se assegurar plenamente. Aquele que sabe sofrer com constância tem, dentro de si, o título e a prova de uma força bem maior; ele carrega tudo o que quer e, para falar mais razoavelmente, para ele é como se a paciência fosse seu ombro. Assim, nosso espírito não precisa nem de máquinas ou de outros artifícios para suportar algum sofrimento, alguma calamidade que lhe chegue. Sua força está toda nele mesmo e ele não precisa procurá-la em outro lugar.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 241-243.

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