CAPÍTULO TERCEIRO
Portanto, temos tanto interesse em praticar a Paciência e a Moderação que é certo que sem elas nossas pretensões de fazer progresso na virtude são inúteis, e todos os desígnios que concebemos para o estabelecimento de nossa felicidade são como crianças desafortunadas que nunca nascem. Esta infelicidade procede do fato de ignorarmos como é necessário querer e não querer as coisas; e como nos tornamos igualmente ridículos através de nossos desgostos e nossos desejos. Desejamos fora da época certa, quando somos reduzidos a uma necessária pobreza que, na verdade, deve ser desejada; a propósito, desejamos de forma errada, quando queremos que a Fortuna se obstine a nos apresentar suas recusas, ou quando aquilo que desejamos dela não se encontra em seu poder. Procuramos no inverno aquilo que só pode ser encontrado na primavera, e que a Natureza só nos poderia dar por uma desordem sua pior do que a nossa. Assim, nossos próprios desejos se punem a si mesmos; a impossibilidade de cumpri-lo na qual nos encontramos é o castigo de sua indiscrição. Não sabemos que a Fortuna tem seu inverno assim como o ano o tem; e que suas recusas procedem, às vezes, tanto de sua impotência quanto de seu rigor. Por que queremos as coisas que pertencem a outros? Não vale mais a pena ceder voluntariamente ao tempo, que é obrigado a depender dela, com uma sujeição de escravo? Nossa cobiça nós dá este gosto depravado, esses apetites extravagantes e monstruosos, que chegam às mulheres quando elas estão para se tornarem Mães; e não apenas preferimos, como elas, o gesso e o carvão às boas carnes, como também, por uma doença muito mais estranha e mais monstruosa, sentimos aversão por aquelas que satisfazem mais agradavelmente o nosso gosto. Eu vos pergunto, o que é isso de se abster das coisas prazerosas e suportar as desagradáveis? É saber a Arte de se acomodar a todos os movimentos da Fortuna; é compreender a maneira de querer e de não querer; em uma palavra, é nada desejar. Arranquemos portanto nossa cobiça, visto que se a mantivermos, a bem dizer, estaremos confirmando e mantendo a Fortuna no poder que ela usurpou de nós; estenderemos para cada vez mais longe os limites de seu Império, nos descobriremos e nos exporemos ainda mais ao seu ódio. Não confiemos no fato de ela ser cega; não por isso ela é menos segura e deixa de nos açoitar e de nos alcançar em todos os lugares mesmo quando ela não tinha nenhum interesse em nos alcançar. Será que devemos nos surpreender com um homem que, não vendo nada, nunca erra o golpe? Que, virando-se para qualquer lado, sempre chega ao seu objetivo? E que tem necessidade de visar sempre, visto que nossa cobiça nos dirige sempre para todas as coisas? É impossível atirar em falso, dando um tiro no meio de um multidão. Somos o alvo eterno onde recaem todas as flechas da Fortuna; ela as atira tanto mais certeiramente quanto mais estivermos em meio à multidão de nossos desejos.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 208-210.
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