quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Reflexões - Capítulo III

CAPÍTULO TERCEIRO
Seremos, por isso, imputados de fingimento? Seremos acusados de aconselhar a dissimulação? Que razão poderão ter para se persuadir disso? O nosso sentimento é apenas o de nos afligirmos com os aflitos. Se permitimos ao Sábio misturar suas lágrimas às dos aflitos, por que não quereríamos que as pessoas procedam da mesma forma? Eles choram suas misérias e nós deveríamos deplorá-los por isso? A fragilidade humana, e não os rigores da Fortuna, deve ser o tema de nossa dor. Um Filósofo, daqueles que a Grécia reverenciou como o exemplo e o Oráculo da soberana sabedoria [no original latino, o autor se refere a Sólon: "Lacrymantem Solonem reprehendit quidam, quod defleret, cum luctus non sit fortunae potio, nihilque prodessent lacryme". Sólon (683 a.C. - 558 a.C.) foi um legislador, jurista e poeta grego. Foi considerado um dos sete sábios da Grécia antiga; ndt], tendo sido perguntado dos motivos de seu choro, visto que não era possível ignorá-lo, porque não há remédio mais fraco para nossos males do que ignorá-los, disse que chorava por aquilo que é inútil chorar. Com isso, ele derramou lágrimas como as dos miseráveis, mas a causa de suas lágrimas foram bem diferentes da causa das lágrimas dos miseráveis: ele as derramou de desprazer por ver como eles as derramavam em vão. Por isso, é somente esse o tipo de lágrimas que um Sábio pode chorar. Quando alguém se abandona a um violento mal, nós devemos compartilhar com ele esse mal apenas para aliviá-lo de suas consequências. Mas, protejamo-nos de acreditar que sua dor nasce de um motivo legítimo, e de que aquilo que está fora de nós seja capaz, de verdade, de nos afligir. Será mais razoável nos persuadirmos de que o motivo de seu choro não é uma tristeza, mas um efeito de sua opinião, mantendo-nos certos de que ele só está triste porque ele se imagina assim. Seu maior mal será não poder sofrer constantemente, ou seja, seu único mal é não acreditar que não tem mal algum. Dissimular assim a nossa constância não é fantasiar o nosso sentimento, não é uma traição. Tanto é verdade que não devemos colocar nisso nosso pensamento e nosso desígnio, que, pelo contrário, mantemos como uma máxima indubitável, que é necessário ser sensível aos males dos outros, e que nos deve ser permitido, nisso, relaxar os rigores com os quais nos separamos do vulgo. Com isso, não pretendemos  outra coisa senão que a tranquilidade de nosso espírito não seja incomodada, e que essa pequena tempestade que se excita diante de nossos olhos não siga adiante dentro de nós e interrompa por pouco que seja a calma interior de nossa alma. Não nos tornaremos nem tristes nem infelizes, quando fingimos sê-lo. Nossa dor estará toda nas aparências, ela não passará disso. E faremos experiência dessa verdade pronunciada por um grande homem, que as lágrimas das pessoas de bem são a sua alegria [no original latino, Nieremberg anota: "Non est turbidus, non anxius, non miser, imo felix, id est, sui erit, & sibi hilaritate arcana festivus, Egregie divinus Ioannes Scholasticus, fletum proborum dixit animae risum". Trata-se, portanto, de João III, o Escolástico, que foi patriarca de Constatinopla entre 565 e 577; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 189-190.

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