segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quinto prelúdio - Capítulo III

CAPÍTULO TERCEIRO
Mas, ainda que somente uma posse tão alta seja capaz de contentá-la, ainda que ela só se preencha de Deus, e ainda que ela só possa tirar disso sua plena e perfeita satisfação, se ela não deixa de buscar sua satisfação nas coisas do mundo, ela pode mesmo encontrar nisso um prelúdio da soberana beatitude, desde que as siga sem a elas se ligar; ela pode se colocar num estado que pelo menos adoça os problemas desta vida, que compensa de alguma maneira as tristezas e os defeitos da condição humana e que, de certa forma, a sacia, já que não a pode satisfazer absolutamente. A tranquilidade do espírito se adquire dessas duas maneiras: ou quando o apetite se repousa inteiramente, quando não tem tentação e inquietude diante de coisa alguma, quando nada o agita ou o toca, ou quando, estando na sua meta, encontra o bem que procurou e só se move para carregá-lo, mantendo-se firme na sua posse e não sendo capaz de nenhuma inconstância. Esta primeira felicidade é tão pouco conhecida de nós, porque depende do reino da Razão livre e soberana, porque depende de um estado no qual a imperfeição da nossa Natureza e os problemas ordinários que as paixões nos causam nos impedem de chegar. Mas nós podemos chegar a outro, determinando-nos pela escolha dos objetos que nos podem dar aquela felicidade desejada, não hesitando e não nos confundindo com a incerteza das coisas capazes de a produzir. Nós a obtemos seguramente e sem nenhuma dificuldade quando moderamos nossa cobiça, quando paramos nos limites, quando colocamos um freio que não lhe permite correr atrás de todos os objetos que se apresentam a ela, um freio que a mantém submissa e a impede de se extraviar. O trabalho daqueles que viajam não é caminhar, quando eles sabem aonde vão, mas é não ignorar o caminho que devem seguir; e quando estão seguros de não desviar e de estar no bom caminho, caminham não apenas sem dificuldade, mas com prazer. Nós também seguimos com alegria as coisas que sabemos que a produzem [à felicidade; ndt], quando não as seguimos com dúvida e quando as conhecemos com certeza; não ficamos incomodados com o caminho que fazemos, não sentimos nem cansaço, nem tédio; para nós, é uma Volúpia e não uma submissão.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 121-123.

Nenhum comentário:

Postar um comentário