segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Segunda máxima - Capítulo II

CAPÍTULO SEGUNDO
Esta é uma infelicidade contra a qual o sábio saberá se garantir, sem nenhuma dúvida. Assim como ele se conservará vazio de toda esperança e de todo temor, não havendo lugar para se ver frustrado em sua espera; nada acontecerá que seja contrário a seu desejo. Na medida em que ele for mestre de sua vontade, será também mestre da Fortuna. E assim como em todas as coisas ele considerará a razão como soberana, elas [todas as coisas; ndt] sempre chegarão até ele segundo seu desejo; ele gozará de uma felicidade incomparável; ele possuirá uma vantagem tão grande nisso que tudo aquilo que há de maior e de mais magnífico no mundo será incapaz de lhe causar tentação, nem será capaz de lhe fazer inveja. Houve Príncipes cuja volúpia era tão cara quanto sua grandeza, a tal ponto que chegaram a considerá-la mais do que a própria Fortuna, a preferi-la mais do que a própria vida. Quão feliz é aquele que construiu fundamentos sólidos para sua alegria, a ponto de ela lhe fazer possuir tudo aquilo que os outros desejam sem que, porém, ele tenha tido sequer o desejo de possuir. Quão feliz é aquele que, se contentando com pouco, ama muito mais o dever a si mesmo do que à Fortuna, e que, para ser rico, não tem nenhuma necessidade dos bens que vêm dela. A verdadeira riqueza deve ser medida pelo coração e não pelo cofre; ela não depende em nada da opinião, mas da consciência; e nós devemos muito mais nos reportar ao nosso próprio julgamento do que ao testemunho de outros. Há muito mais a se dizer sobre ser rico de verdade, do que somente por reputação. Se estimarmos a riqueza pela aparência, se nós a acreditarmos grande por causa do grande espaço que ocupa, correremos o risco de vacilar. Aquele que, à vista, parece muito grande, será pequeno diante da cobiça. Isso é como um homem que tenha muitas filhas para casar: por mais que ele seja repleto de bens, não deixa de se crer pobre, a cada vez que sonha com o que deverá assumir. Como é que aquele que tem muitos desejos para contentar, um dos quais nem a posse do mundo inteiro seria suficiente, poderá ser estimado como rico, visto que não apenas ele não se crê rico, como também imagina que será reduzido à última necessidade? Para dizer de forma mais clara, esse homem não é pobre porque não tem bens, mas porque deseja tê-los. É preciso entender que, para tê-los, não é preciso ter necessidade deles, desejá-los. Sócrates, uma vez, no mercado de Atenas, considerando as coisas que ordinariamente se encontram nesse tipo de lugares, disse: como há coisas das quais eu não preciso. Ele tirava essa vantagem – e aqueles que o viam reconheciam que ele não invejava nada – do fato de não desejar nada. Verdadeiramente, não duvidemos disso, é mais rico e mais feliz aquele que não deseja nem espera nada; mais do que aquele que obtém tudo o que deseja. Aquele tudo tem, gratuitamente, graças ao privilégio de sua moderação; o que, para o outro, custa uma infinidade de penas e de desejos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 163-164.

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