sábado, 21 de agosto de 2010

Primeira máxima - Capítulo VIII

CAPÍTULO OITAVO
É preciso dizer ainda uma vez que tudo aquilo que existe de bens que não venham de nossa Vontade é enganador e fugidio, porque são externos e servis; e nada permanece em nosso coração se não proceder de verdade da Vontade. Para vós, em quanto tempo Dionísio foi expulso do Reino da Sicília [trata-se de Dionísio I, o Velho (c. 430 a.C. – 367 a.C), tirano de Siracusa a partir de 405 a.C. que foi derrotado na guerra de 383 a.C. contra Cartago, sendo obrigado a pagar, como indenização de guerra, oferecendo toda uma região da Sicília para Cartago; ndt], e Tarquínio em quanto tempo perdeu o reinado de Roma [Tarquínio, o Soberbo, é considerado o último rei de Roma, tendo reinado entre 535 a.C. e 509 a.C., quando foi deposto por uma revolta dos cidadãos romanos contra a dominação etrusca em Roma e contra a tirania do rei. Faleceu em 496 a.C.; ndt]? Foi no espaço de apenas um dia: entre a manhã e a noite seus diademos desapareceram, seus tronos caíram por terra, e todo o poder deles foi destruído. A Fortuna conhece bem o meio para fazer Reis vigilantes e magistrados despertos, colocando-os no cargo por apenas um dia. Na verdade, podemos dizer que seus favores [os da Fortuna; ndt] são como um Astro que se levanta depois do Sol e não espera que ele se ponha para se retirar. Conhecemos o Cônsul Romano que não dormia durante o tempo em que assumiu o cargo, para que ele [o cargo; ndt] nunca pudesse ver a noite [no original latino, Nieremberg se refere a Rebilo: “Revilius uno die Consul fuit: quis vigilantior, quam qui somnum non vidit; cum non esset Flamen, fuit Dialis?”. Segundo consta, Caio Canínio Rebilo foi nomeado cônsul por apenas um dia, pelo Imperador Júlio César. Tudo o que conseguimos de dados acerca desse personagem revela que ele, durante a Batalha de Alésia, no ano de 52 a.C., contra os gauleses, era responsável por uma das legiões que enfrentaram as tropas de Vercingentórix. Plutarco, em sua Bioi Paralleloi – Vidas paralelas – se refere a Caio Canínio Rebilo, ao tratar da vida de Júlio César: “As for the men of high rank, he promised to some of them future consulships and prætorships, some he consoled with other offices and honors, and to all held out hopes of favor by the solicitude he showed to rule with the general goodwill; insomuch that upon the death of Maximus one day before his consulship was ended, he made Caninius Revilius consul for that day” (Plutarch, 1909); ndt]. Nós até poderíamos, de alguma forma, desculpar esses bens estranhos se o seu defeito fosse apenas sua inconstância e se o mal que eles nos fizessem não fosse mais do que simplesmente nos deixarem às escondidas. Poderíamos perdoá-los se sua fragilidade fosse todo o seu crime, mas o pior é que ela [sua fragilidade; ndt] se degenera muito frequentemente em malícia e, não se contentando apenas em levar consigo nossa alegria, eles levam também nossa vida: através do desespero, eles ajustam ao engano a crueldade. Sem dúvida, um grande homem teve razão em dizer [o original latino se refere a "sanctus Paulinus". Segundo consta, Poncio Ancio Merópio (355-431), conhecido como Paulino de Nola, é conhecido como um dos Padres da Igreja Ocidental. Foi, na juventude, Cônsul romano na Gália. Depois de batizado, abandonou tudo e, junto com sua esposa, foi viver uma vida eremítica. Em 394 foi ordenado sacerdote e, em 409, nomeado bispo de Nola. É venerado como santo; ndt] que é uma falsa e infeliz alegria, que procede de um coração orgulhoso, que sente tanto mais tristeza pela queda de sua fortuna quanto mais alto se tiver elevado. O que restou, finalmente, do famoso Tirano de Samos, depois da profusão de favores que a Fortuna lhe concedeu [o original latino se refere a Polícrates que foi tirano da Ilha de Samos entre 538 a.C. e 522 a.C.; ndt]? O que ele pôde mostrar de todos os bens que ele teve o prazer de acumular? Ela [a Fortuna; ndt] teve uma tão grande paixão por ele, que não lhe permitiu uma mínima experiência que seja de tristeza, não interrompendo nem um pouco o curso de graças que lhe concedia. Mas, depois disso tudo, o que lhe aconteceu?  Ela o deixou tão prontamente quanto lhe havia seguido constantemente; e por um cruel revés, tendo-o desprovido de toda sua pompa e de todas as suas riquezas, ela lhe arrancou também a Vida; ela lhe retirou esse último bem, devido à usura de todos aqueles que ela lhe havia emprestado; e só lhe deixou a infâmia do patíbulo onde ele foi pendido. Nisso, de fato, ela não pareceu menos justa que rigorosa, punindo através do suplício de Ladrões àqueles que fizeram seus os bens que não lhes pertenciam, retendo pela força aqueles bens que não poderiam possuir legitimamente. A quantos homens se pode encontrar a quem ela [a Fortuna; ndt] tenha coberto de ouro enquanto viveram e a quem, depois, ela deixou faltar terra para sua sepultura? Ela não tratou melhor o favorito insolente de Assuero [não conseguimos identificar com precisão de quem se trata. Segundo consta, Assuero é um nome usado algumas vezes em relatos do Antigo Testamento e parece estar ligado ao rei persa Xerxes I (c. 519 a.C. – c. 466 a.C); ndt]: como ele gozou dela durante a vida, ele foi seu brinquedo em sua morte. Um fim parecido espera todos aqueles que correm atrás dos bens externos, e devem ser chamados apenas de usurpadores e ladrões da felicidade, e não de possuidores legítimos. Frequentemente, eles morrem pendurados a uma linha de esperança; e como eles só se seguram à Fortuna por um fio de cabelo, que é bastante insuficiente para mantê-la quando ela se lhes escapa, isso é suficiente para lhes tirar a vida, e seu desespero lhes tece a corda [da qual penderão; ndt]. Assim, esta infeliz felicidade não apenas enganou a muitos, como também foi a causa da perda de muitos: eles encalharam, naufragaram, tão logo o vento da boa sorte [no original latino e no francês, o autor faz uso do termo fortuna, com letra minúscula; por isso, optamos por traduzir por sorte; ndt] lhes faltou; e como eles só conseguiam respirar com esse vento, eles pararam de viver tão logo ele parou de soprar. Tão logo ela [a Fortuna; ndt] lhes emprestou uma doçura qualquer na vida, tão logo ela lhes concedeu o prazer de saborear essa doçura, ao mesmo tempo, ela lhes retirou. Isso foi como roubar-lhes a vida – roubar-lhes as coisa que lhes eram caras. Isso foi como entregá-los à morte pelas mãos de seu ministro – abandoná-los ao extremo desprazer de serem privados de seus favores.  Mas, será que eles não sabiam que por mais força que se empregue na manutenção desses bens, sempre se é incapaz  de impedir que a Fortuna se lhes arranquem? Tenta-se de todas as formas agarrá-los e estreitá-los nos braços, e ela não apenas retira tudo o que dá, como também faz muito mais: usando ao mesmo tempo de justiça e de violência, ela tira aquilo que lhe é legítimo e também aquilo que não se deve a ela.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 149-152.

Referência:
PLUTARCH. Plutarch's Lives of Themistocles, Pericles, Aristides, Alcibiades and Coriolanus, Demosthenes and Cicero, Caesar and Antony. Vol. XII. New York: P.F. Collier & Son, 1909.

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