quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Reflexões - Capítulo II

CAPÍTULO SEGUNDO
A habilidade com a qual ele trabalhará para aliviar um aflito  imitará a que pratica o médico junto a um doente para quem a violência de sua dor torna incapaz os conselhos para sua cura; ele [o doente; ndt] se queixará dela a fim de aliviá-la e a adulará para vencê-la. Esse artifício legítimo é tão próprio do Sábio que, tendo uma excelente constituição de espírito, e estando perfeitamente confirmado na virtude, como o é, pode se misturar, com segurança, aos enfermos, pode entrar em seus sentimentos e descer até a mais baixa de suas misérias sem correr o risco de ser afetado por nada. Para salvar um homem que se afoga, é preciso ir até a ele; e só conseguiremos salvá-lo se resistirmos à impetuosidade da torrente que o carrega. Podemos nos abaixar para levantar aqueles que a Fortuna derrubou; mas, para não cair com eles, é preciso que nos mantenhamos firmes e cuidemos de não nos deixar levar por seus movimentos. Não há remédio mais salutar para um aflito do que persuadi-lo de que partilhamos com ele de sua dor; e para trabalhar de forma útil no sentido da cura desse tipo de mal, o médico deve fingir ter sido afetado pelo mesmo mal; do contrário, o doente suspeitará do médico; o médico o fará desconfiar e tudo aquilo que ele apresentar ao doente será visto muito mais como um veneno do que um remédio. Assim, por duas contrariedades que devem estar necessariamente de acordo, aquele que está enfermo não quer acreditar naquele que lhe traz um bem; e aquele que está doente não seria capaz de ajudar a outro. É preciso, portanto, que ele esteja são, com efeito, mesmo que aparentemente ele não esteja; porque como é que sofrendo ele seria capaz de trazer alívio para outros? Do meio de uma tropa de pessoas a cavalo que, um dia, parou para considerar o voo de um pássaro, segundo a antiga superstição das predições, uma pessoa atirou uma flecha e abateu um pássaro, troçando, em seguida, de seus companheiros de terem consultado um Oráculo que, bem longe de lhes ensinar o que deveriam fazer, ignorava ele mesmo aquilo que lhe aconteceria. Empregaremos esse mesmo exemplo para confirmar essa verdade, de que é preciso que cuidemos, primeiramente, de nós mesmos, antes de pretender salvar os outros; e que tenhamos a saúde que pretendermos oferecer; mesmo que para chegar a ela seja necessário parecer não a ter; visto que é certo que sem se molhar não é possível tirar alguém de um naufrágio.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 187-189.

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