terça-feira, 17 de agosto de 2010

Primeira máxima - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO PRIMEIRO
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PRIMEIRA MÁXIMA
QUE é preciso ordenar a vontade pelo poder

CAPÍTULO PRIMEIRO
Visto que é indubitável que a alegria não se encontra nas coisas que nos são estranhas, que é uma pura produção de nosso coração, que ela consiste na união da Vontade com seu objeto, e que podemos ser nós mesmos os seus operários, resta-nos aprender a arte de torná-la firme e segura, é preciso que, de agora em diante, trabalhemos na aquisição perfeita dessa arte. Só há duas maneiras: ou que nosso poder seja igual à nossa vontade, que ele vá tão longe quanto ela e não tenha menor capacidade de extensão do que ela; ou que nossa vontade tenha sua medida e sua ordenação feita pelo nosso poder. Uma e outra dessas maneiras nos conduz igualmente à felicidade. Nós podemos chegar a ela pelos dois caminhos; porém, para falar de forma mais saudável, o primeiro deles pertence apenas a Deus, e um Filósofo [no texto latino, o autor se refere a Aristóteles; ndt] teve razão de dizer que a mais nobre prerrogativa da Divindade é poder tudo o que quer, assim como o caráter de humanidade mais natural é desejar o que lhe falta. Certamente este alto ponto de felicidade é impedido ao homem, se ele deseja muito, porque ele tem muito pouco poder. Disso vem que os desejos crescem e se multiplicam até ao infinito; do defeito de suas forças procede a imensidade de seus apetites, e sua impotência acende o fogo de sua cobiça. O outro caminho é, sem dúvida, o mais curto e o melhor. Por ele nos tornamos emuladores da felicidade de Deus mesmo, e quase ousaríamos dizer que nós partilhamos dela com Ele. E certamente, seja que obtenhamos tudo que podemos desejar, seja que desejemos apenas o que podemos obter, somos igualmente felizes, não há mais vantagem para um do que para o outro. Esses dois caminhos têm como meta um mesmo termo. Se não está em nós fazer tudo o que nos agrada, está em nós, pelo menos, querer apenas aquilo que podemos fazer. Dois pequenos bastões de mesmo tamanho são tão iguais quanto duas grandes vigas. A Vontade daquele cujo poder tem pouca extensão se ajusta tão bem àquilo que deseja, se ele deseja pouco, quanto a Vontade daquele que deeja muito, porque tem muito poder. É extremamente abusado acreditar que a felicidade consiste  em poder fazer grandes coisas; ela não está de forma alguma na grandeza do desejo, mas em sua união com o objeto. O que importa que o poder seja pequeno, se a Vontade não é grande, visto que o que faz agir a alegria é a igualdade do poder e da Vontade? Eis aqui a fatal causa de todos os nossos problemas, a origem e o princípio de nossa miséria, de sermos frustrados numa espera que concebemos temerariamente e de ver acontecer algo diferente daquilo que desejamos. É por isso que somos necessariamente infelizes, pois tudo isso nos causa pena. O objeto de nossa cobiça passa e escapa de nós; mas ela [a cobiça; ndt] permanece e, não podendo produzir nossa alegria, não podendo gestá-la, por assim dizer, ela empreende esforços inúteis, ela produz e gesta apenas a dor e a calamidade.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 134-136.

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